Medidas do governo dos EUA em relação a imigrantes são conflituosas

Segundo Sean Purdy, de um lado, há repressão contra imigrantes de outras nacionalidades e, por outro, motivos políticos favorecem atualmente a situação de refugiados venezuelanos

 20/10/2023 - Publicado há 7 meses
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Desde 2014, o número de venezuelanos em busca de refúgio no mundo cresce exponencialmente – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

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No dia 20 de setembro, o presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou a concessão de uma proteção temporária a mais de 470 mil imigrantes vindos da Venezuela, os quais viviam de maneira ilegal no país. Essa medida servirá apenas para aqueles que chegaram ao território antes do dia 1° de agosto de 2023. Sean Purdy, professor do curso de História dos Estados Unidos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, comenta: “Os Estados Unidos são responsáveis pela crise econômica na Venezuela e em outros países do mundo, e pessoas desses países estão indo para os Estados Unidos. Então, eles estão criando seu próprio problema também”.

Êxodo venezuelano

Sean Purdy – Foto: Gabriel Gama/JC

Desde 2014, um ano após Nicolás Maduro assumir a presidência da Venezuela, o número de venezuelanos em busca de refúgio no mundo cresce exponencialmente. Atualmente, segundo dados da ONU, mais de 7 milhões de pessoas saíram do país e mais de 900 mil estão se refugiando em outra localidade.

Essa emigração massiva decorre de vários fatores, entre eles estão a violação dos direitos humanos e a crise socioeconômica em sua terra natal. Ainda de acordo com a ONU, o país possui 81% de sua população na pobreza, 44% de taxa de desemprego, a segunda capital mais perigosa do mundo e está em quinto entre os países mais corruptos do mundo. 

Além dos motivos internos, o boicote ao país, realizado pelas principais economias do globo após o início do governo de Hugo Chávez em 2006, aprofundou ainda mais a já fragilizada economia venezuelana. “A grave crise econômica na Venezuela é resultado de sanções políticas e econômicas do governo dos Estados Unidos”, afirma o especialista.

Crise migratória nos EUA  

De acordo com a ONU, os Estados Unidos da América são o terceiro país com maior número de refugiados venezuelanos (545 mil, aproximadamente) — atrás apenas de Colômbia (2,9 milhões), Peru (1,5 milhão) e à frente do Brasil (477 mil). Cerca de um ano atrás, Joe Biden anunciou um programa que dava status legal, durante dois anos, para imigrantes chegarem ao país de avião, sendo necessário um patrocinador que vivesse legalmente nos EUA. Ao mesmo tempo que o plano ajudou a inflar a quantidade de venezuelanos, também aumentou a rigidez sobre a entrada ilegal em seu território.

Além disso, o democrata suspendeu a necessidade de permanência no México e fechou três centros de detenção para famílias, operados pelo Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA. Ele substituiu as políticas vigentes do governo Trump para facilitar a entrada de imigrantes legais, mas dificultou para aqueles ilegais.

Entre os meses de outubro de 2021 e agosto deste ano, a segurança da fronteira com o México capturou mais de 150 mil venezuelanos, mais que o triplo dos 50 mil capturados no mesmo período do ano anterior, segundo o governo norte-americano. Estes representam a maior parte dos imigrantes que estão chegando ao território estadunidense no momento.

A emigração massiva dos venezuelanos decorre de vários fatores, entre eles estão a violação dos direitos humanos no país natal – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Porém, vale ressaltar que essa crescente no número de refugiados abrange nacionalidades diversas, não apenas de venezuelanos. De acordo com o governo estadunidense, em agosto foram registradas mais de 177 mil prisões, na região fronteiriça, de cidadãos de Honduras, Peru, México e outros. Além disso, desde maio, mais de 250 mil pessoas foram deportadas para seus países de origem. Com isso, o Departamento de Estado dos EUA, no mês passado, mandou reforçar a área com mais de 800 militares e 2.500 agentes da Guarda Nacional. Para Purdy, os Estados Unidos têm que transpassar a imagem de um país resistente à imigração ilegal por motivos políticos.

Estatuto de Proteção Temporária

O governo dos Estados Unidos expandiu o programa de ajuda humanitária, Temporary Protected Status (TPS), ou Estatuto de Proteção Temporária, que impede que os migrantes sejam deportados por um período de 18 meses. “O TPS dá aos refugiados o direito legal de trabalhar, além de procurar serviços públicos como assistência para moradia e saúde”, explica o professor. O Departamento de Segurança Interna americano justificou a concessão da proteção aos 500 mil venezuelanos: “Pela crescente instabilidade e falta de segurança na Venezuela devido às duradouras condições humanitárias, securitárias e políticas”.

O número, que anteriormente era de 610 mil indivíduos contando 16 nacionalidades, será quase duplicado. Essa será a maior concessão desse status de imigração para pessoas de mesma nacionalidade nos EUA. No ano de 2021, diversos indivíduos se abstiveram de solicitar o estatuto por falta de conhecimento das leis americanas, portanto, especialistas afirmam que é necessário uma divulgação bem-feita do novo TPS para evitar que isso ocorra novamente.

De acordo com um estudo realizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), intitulado de Efeitos Colaterais da Crise Venezuelana, essa integração com os refugiados venezuelanos pode gerar um crescimento de até 4,5% do PIB de um país até 2030.

A contradição do governo

“As medidas do governo Biden são completamente conflituosas, você teria, de um lado, repressão contra imigrantes e, por outro lado, motivos políticos envolvidos em aceitar e até ajudar a situação de refugiados venezuelanos”, afirma Purdy. Essa contradição, segundo ele, ocorre por conta das diferenças de tratamento que ocorrem para com os refugiados venezuelanos em comparação a refugiados do México, por exemplo. “Por que só refugiados venezuelanos? São uma parte crescente do aumento nos últimos anos, mas ainda não são a maioria dos imigrantes. Isso é uma medida que pode ser divisória em termos de políticas imigratórias”, comenta.

O professor complementa que as sanções políticas e econômicas do governo norte-americano sobre a Venezuela também demonstram a incoerência estatal. Contudo, ele ressalta que isso não é uma realidade apenas do governo Biden, ou do Partido Democrata, mas também dos governantes republicanos.

Novo compromisso de Biden e Maduro

No dia 5 de outubro, Joe Biden e Nicolás Maduro chegaram a um acordo — será retomada a deportação de venezuelanos diretamente para seu país de origem. Essa medida tem o objetivo de impedir o recorde no deslocamento de imigrantes pela fronteira dos EUA com o México. Isso é uma novidade para a política internacional, visto que, devido às relações estremecidas entre Washington e Caracas, os venezuelanos não eram deportados para o país. 

Aqueles que cruzarem ilegalmente a fronteira e não tiverem base legal para permanecer no país serão deportados. Alguns imigrantes, que estavam sob custódia dos norte-americanos, já foram identificados para deportação e estarão sujeitos a voltar voluntariamente ao México, a serem detidos ou à libertação. Por fim, o governo estadunidense se dispôs a, de forma progressiva, suspender sanções financeiras à Venezuela sob uma condição — que ocorram eleições livres e justas na Venezuela no próximo ano.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo


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