Madeira do eucalipto jovem tem novas aplicações na construção civil

Utilizando técnicas adequadas, o eucalipto jovem, considerado uma madeira fraca e de baixa qualidade, pode servir de matéria-prima para fabricação de produtos engenheirados para fins estruturais

 08/05/2024 - Publicado há 5 meses     Atualizado: 09/05/2024 às 19:28

Texto: Ivanir Ferreira

Arte: Simone Gomes

Eucalipto jovem pode ser utilizado na fabricação de vigas e colunas – Foto: Bruno Balboni

O Brasil é o maior produtor do mundo de eucalipto proveniente de florestas renováveis, mas o recurso não é explorado em toda sua potencialidade. No País, ele é utilizado quase que apenas para produção de papel de celulose, bioenergia e painéis reconstituídos. Mas a madeira de eucalipto jovem, de sete anos, poderá ter novas finalidades no setor da construção civil, na fabricação de produtos engenheirados de classe estrutural, como vigas e colunas, que são obtidas através do processamento industrial da madeira bruta do eucalipto de curto ciclo. A proposta vem de pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em parceria com a Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. Com técnicas adequadas, os nós e o empenamento, características que fazem do eucalipto de curto ciclo uma madeira fraca e de pouca qualidade, são praticamente eliminados, o que lhe confere alto valor agregado.

Segundo o autor da pesquisa, Bruno Balboni, “a madeira de eucalipto jovem pode ser bastante resistente e, às vezes, até superior à madeira de Pinus (pinheiro), a árvore plantada mais utilizada no Brasil para produtos estruturais, mas que leva cerca de 20 anos para atingir a idade de colheita e ser utilizada industrialmente.”

De acordo com o o engenheiro florestal, os nós enfraquecem a resistência da madeira e os empenamentos dificultam o uso, afetando diretamente seu valor, principalmente quando o uso final são estruturas de edificações, em que a resistência é fundamental. Em busca de soluções para aproveitar esse recurso abundante no Brasil, o engenheiro florestal começou selecionando alguns clones de eucalipto (variedades), entre os inúmeros plantados para geração de bioenergia, para verificar se alguns deles teriam características apropriadas para o uso de madeira estrutural.

Bruno Balboni - Foto: Arquivo pessoal

Paralelamente, procurou conhecer o comportamento mecânico da madeira do eucalipto jovem e seus pontos de fragilidades, para que, ao aplicar uma técnica chamada Madeira Laminada Colada (MLC), os efeitos negativos dos nós e dos empenamentos pudessem ser eliminados.

A MLC é um processamento industrial de madeiras para fabricação de produtos engenheirados. Por essa técnica, “as lamelas de eucalipto (tábuas) são prensadas e coladas entre si com adesivos altamente resistentes, de forma que as fibras das lamelas fiquem paralelas umas às outras. Ao final de todo o processo, um bloco sólido de madeira é produzido, dando origem a peças estruturais com dimensões variadas e de acordo com a necessidade do mercado consumidor”, diz o pesquisador.

Seleção de clones de eucaliptos

Foto: Bruno Balboni

Os eucaliptos clonais são cópias genéticas de uma planta selecionada contendo diversas características positivas, que, ao serem plantados, tendem a manter as propriedades da planta original.

Entre as dezenas de espécies de eucaliptos que já eram destinados à indústria de bioenergia, Balboni selecionou seis variedades e analisou a densidade e as propriedades mecânicas da madeira. O objetivo era avaliar sua adequação para a fabricação de produtos estruturais. Após a colheita, as toras seguiram para a Esalq para processamento e a realização dos ensaios mecânicos.

Segundo o pesquisador, a silvicultura clonal de eucaliptos no Brasil está entre as mais avançadas do mundo e encontrar clones já desenvolvidos e que se adequassem à indústria da madeira seria um grande passo para a obtenção de madeira sustentável para diversos setores, como a construção civil e a indústria moveleira.

Os clones avaliados nessa etapa da pesquisa apresentaram grandes diferenças de densidade e de propriedades mecânicas (uns eram mais densos, outros mais leves, alguns mais resistentes), o que na opinião do pesquisador foi um aspecto positivo, pois quanto mais diversidade, maiores as possibilidades de usos e aplicações (produtos engenheirados, construção civil, movelaria etc.).

Outro achado importante da experiência foi que dos seis clones avaliados, dois se destacaram. Um tinha madeira leve e resistente, características consideradas perfeitas para a fabricação de produtos engenheirados, e o outro possuía madeira mais densa e proporcionalmente resistente, adequado para uso como madeira maciça estrutural.

Neutralização dos nós e empenamentos

Foto: Bruno Balboni

Identificados os clones mais apropriados, o engenheiro buscou saber se as características negativas que potencialmente tornavam o eucalipto jovem uma madeira de baixa qualidade poderiam ser neutralizadas ou minimizadas com a técnica Madeira Laminada Colada (MLC). Dessa vez, o pesquisador utilizou madeiras provenientes de árvores plantadas por sementes, porque elas apresentam alta variabilidade de defeitos. Isso era necessário para avaliar os efeitos dos nós e dos empenamentos no produto final.

Segundo o engenheiro florestal, as vigas fabricadas a partir desse processamento industrial eram extremamente resistentes e com boa qualidade, com nós menores quando comparados a outros tipos de madeiras. E a baixa adesão à colagem das tábuas, algo que é comum à madeira com nós, também foi neutralizada ao se utilizar uma otimização na disposição das lamelas: as mais resistentes ficaram posicionadas nas camadas mais externas das vigas, nas porções inferior e superior.

Quanto aos encurvamentos (um dos muitos tipos de empenamento), o pesquisador disse que foi um fator benéfico para as vigas extraídas da MLC, pois quando as madeiras eram prensadas e coladas retas, os encurvamentos geravam tensões internas nas vigas. Quanto mais encurvadas as lamelas, maiores eram as tensões internas e, consequentemente, mais resistentes ficavam as vigas. “Isso permitiu o uso, inclusive, de madeira que seria classificada como resíduo pelos seus altos índices de encurvamento, para a fabricação de produtos de alto valor agregado”, relata o pesquisador.

Segundo Balboni, o impacto negativo dos nós na resistência das vigas foi observado em apenas uma das 18 testadas. “Este resultado parcialmente negativo, no entanto, foi extremamente útil para se compreender o tamanho máximo indicado para os nós em vigas coladas de eucaliptos jovens”, diz.

Prêmio Tese Destaque USP

A pesquisa de Bruno Balboni resultou na tese Investigando o uso de madeira contendo defeitos de plantações jovens de eucalipto para a fabricação de produtos de engenharia, orientada pelo professor José Nivaldo Garcia (Esalq), que foi agraciada com menção honrosa do Prêmio Teses Destaque USP em 2023, na grande área “Sustentabilidade”.

Segundo o professor José Nivaldo, as principais vantagens do uso do eucalipto jovem para produtos engenheirados é que essa árvore tem crescimento rápido, tem alta adaptabilidade às diversas condições climáticas e o plantio pode ser feito próximo ao mercado consumidor. 

 “Os resultados da tese ajudam a desmistificar diversas questões relacionadas ao uso de madeira de eucaliptos jovens para fins estruturais.” 

José Nivaldo Garcia - Foto: Arquivo pessoal

Ao desbloquear o potencial deste recurso, o Brasil passará a ter uma fonte sustentável de madeira e com custo reduzido, contribuindo com uma construção civil de menor impacto ambiental e diminuição da pressão na floresta amazônica por madeira, além de promover a geração de empregos na indústria e o incremento de renda dos produtores rurais.

Perguntado sobre os problemas de degradação ambiental associados à plantação do eucalipto, como empobrecimento do solo e excessiva absorção da água do solo, Balboni diz que as técnicas de cultivo atuais buscam reduzir qualquer possível impacto ambiental, e a forma de lidar com essas questões são do cotidiano do curso de Engenharia Florestal. Ele enfatiza que os eucaliptos são muito eficientes na absorção de gás carbônico (CO2) e, assim, contribuem para a redução do efeito estufa.

Mais informações: Bruno Balboni, e-mail bruno.balboni@alumni.usp.br; José Nivaldo Garcia, e-mail jngarcia@usp.br


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