Revista USP – Número 139 – outubro/novembro/dezembro 2023

Editora: SCS/USP
Idioma: Português
Confira abaixo os artigos deste número e dos anteriores.

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edição e política

Cultura, censura e batalhas ideológicas no Brasil (1950-1980)

Odossiê deste número da Revista USP é dedicado à produção daquilo que Umberto Eco denominou de memória vegetal. Ele estava se referindo, claro, ao livro, esse objeto que, com exceção do pergaminho, feito de pele animal, consolidou-se de fato na forma vegetal, desde o papiro até o papel. Com a revolução desencadeada por Gutenberg e com sua difusão, o livro passou a interferir na cultura como nunca antes havia acontecido. Assim surge a figura do editor, responsável este por dar o suporte material sem o qual um texto jamais chegaria ao leitor.

O foco deste “Edição e Política” é o livro feito no Brasil, mais precisamente aquele produzido entre as décadas de 50 e 80 do século passado. Os protagonistas são aqueles editores (e autores) os quais, nesse período que se estende do pós-Segunda Guerra Mundial ao pré e pós-Golpe de 64, vislumbraram a possibilidade de pensar e dar sentido a um país que, enquanto se modernizava, permanecia cindido por visões políticas tão distintas quanto antagônicas. E assim se explica o subtítulo inscrito na capa desta edição: cultura, censura e batalhas ideológicas no Brasil.

O dossiê foi coordenado por Marisa Midori Deaecto, historiadora e professora de História do Livro da Escola de Comunicações e Artes da USP, e por Hugo Quinta, pós-doutorando em Editoração na mesma ECA-USP. O cuidado com que organizaram e imprimiram uma unidade temática às contribuições aqui presentes, a mostrar o alcance do papel das editoras (e de seus respectivos editores) na construção e compreensão do Brasil contemporâneo, é de fato digno de aplausos e, quero crer, já faz deste conjunto de artigos uma referência para os estudos sobre a história do livro e da produção editorial no país.

 

Jurandir Renovato

Apresentação

Em “Cultura e política (1964-1969)”, Roberto Schwarz desenvolve “alguns esquemas” interpretativos com vistas a decifrar o Brasil após o Golpe de 1964. Para tanto, parte da seguinte premissa: “A presença cultural da esquerda não foi liquidada naquela data, e mais, de lá para cá [o artigo foi escrito em 1970] não parou de crescer […]. Apesar da ditadura da direita, há relativa hegemonia cultural da esquerda no país”, que se concentra, cumpre frisar, “nos grupos diretamente ligados à produção ideológica”, portanto, longe das massas. Segundo o autor, esse quadro ou “esta anomalia” se mantém até a edição do Ato Institucional n. 5, em 13 de dezembro de 1968, pelo presidente Costa e Silva. Destarte, o acirramento do estado de violência sobre os setores culturais que se instaura, a partir de então, pode ser compreendido, segundo o autor, porque “em 1968, quando o estudante e o público dos melhores filmes, do melhor teatro, da melhor música e dos melhores livros já constituem massa política perigosa, será necessário trocar ou censurar os professores, os encenadores, os escritores, os músicos, os livros, os editores – noutras palavras, será necessário liquidar a própria cultura viva do momento”.

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                                              Marisa Midori Deaecto
Hugo Quinta

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A Editora da Universidade de Brasília completou, em 2021, sessenta anos. É a mais antiga em atividade no Brasil. Para registrar esta efeméride, a autora resgata, no presente artigo, o processo de construção da editora, à luz do programa editorial da coleção Biblioteca Básica Brasileira.

Palavras-chave: Editora da Universidade de Brasília; história do livro; Biblioteca Básica Brasileira.

In 2021, the University of Brasília Press celebrated its sixtieth anniversary. It is the oldest in activity in Brazil. To record this anniversary, the author rescues, in this article, the process of construction of the publishing house, in the light of the editorial program of the Biblioteca Básica Brasileira collection.

Keywords: University of Brasília Press; book history; Biblioteca Básica Brasileira.

O artigo apresentará a Corpo e Alma do Brasil, coleção publicada pela editora Difusão Europeia do Livro (Difel) sob a direção de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1960. Por meio de seus primeiros lançamentos, analisaremos como as condições culturais e materiais para a produção editorial em São Paulo favorecem as elaborações da intelectualidade local sobre temas relevantes para os projetos de nação discutidos no período. O levantamento do catálogo e os paratextos das edições serão a base da discussão e permitirão identificarmos as referências que conectam o projeto com o referido contexto político-intelectual, definindo-o enquanto uma brasiliana universitária. Desta maneira, demonstraremos como os modelos e cânones construídos pela edição brasileira se ressignificam ao absorver e impulsionar novas comunidades de autores e seus posicionamentos no debate público.

Palavras-chave: Difel; edições universitárias; USP; brasiliana; pensamento brasileiro.

The article will present Corpo e Alma do Brasil, a collection published by the publisher Difusão Europeia do Livro (Difel) under the direction of Fernando Henrique Cardoso, from 1960’s. Through its first releases, we will analyze how the cultural and material conditions for editorial production in São Paulo benefits the elaborations of local intellectuals on relevant topics to the nation’s projects discussed in the period. The survey of the catalog and the paratexts of the editions will be the basis of the discussion and will allow us to identify the references that connect the project with the political-intellectual context, defining it as a university “brasiliana”. In this way, we will demonstrate how the models and canons constructed by the brazilian edition are given new meaning by absorbing and promoting new communities of authors and their positions in the public debate.

Keywords: Difel; university editions; USP; brasiliana; brasilian thought.

Jorge Zahar foi um dos mais importantes editores do Brasil, fundamental na consolidação das ciências sociais e humanas e participante ativo nos principais debates públicos da segunda metade do século XX. Neste texto, a atuação editorial de Jorge Zahar será analisada a partir da construção do catálogo da Zahar Editores, tendo como foco dois momentos distintos. O primeiro, que vai da criação da editora em 1957 até o início dos anos 1970, tem seu foco na tradução de autores vinculados à esquerda estadunidense. O segundo momento ganha relevância no final dos anos 1960 e continua na década seguinte, com destaque para as abordagens críticas às teorias da modernização. A partir da análise do catálogo da Zahar Editores, é possível perceber a existência de um projeto político que foi construído em diálogo com os diversos movimentos intelectuais e sociais da época.

Palavras-chave: Jorge Zahar; história do livro; edição; ciências sociais; política brasileira.

Jorge Zahar was one of the most important publishers in Brazil, fundamental in the consolidation of social and human sciences and an active participant in the main public debates of the second half of the 20th century. In this text, Jorge Zahar’s editorial work will be analyzed based on the construction of the Zahar Editores catalog, focusing on two distinct moments. The first one, which goes from the creation of the publisher in 1957 until the beginning of the 1970s, focuses on translating authors linked to the American left. The second moment gained relevance in the late 1960s, with emphasis on critical approaches to modernization theories. From the analysis of the Zahar Editores catalog, it is possible to perceive the existence of a political project that was built in dialogue with the various intellectual and social movements active throughout the period.

Keywords: Jorge Zahar; History of books; publishing; social sciences; Brazilian politics.

O presente artigo analisa de que forma a Frente Nacionalista entre o PCB (Partido Comunista do Brasil) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) se apresenta na produção livreira da Editorial Vitória Limitada, principal editora comunista da época, entre 1958 e 1964, período da linha de “coexistência pacífica” no movimento comunista mundial e do projeto desenvolvimentista no Brasil. Essas tendências políticas apareceram de modo concreto nas edições da Editorial Vitória de duas formas: pela Coleção de Documentos Políticos e pelos livros O pão, o feijão e as forças ocultas: primeiro livro de leitura popular, do escritor Jocelyn Brasil, Brasil século XX, de Rui Facó, e Problemas brasileiros de educação, de Paschoal Lemme. Pretende-se demonstrar as diferentes estratégias editoriais envolvidas nessas edições e seu papel na relação entre a linha editorial e a linha política do PCB nesse período.

Palavras-chave: história do livro; edições comunistas; PCB; desenvolvimentismo; Editorial Vitória.

This article analyzes how the Nationalist Front between the PCB and the PTB presents itself in the bookseller production of Editorial Vitória, the main communist publisher at the time, between 1958 and 1964, period of line of “peaceful coexistence” in the world communist movement and the developmentalist project in Brazil. These political tendencies appear in a concrete way in the editions of Editorial Vitória in two ways: through the Coleção de Documentos Políticos and through the books O pão, o feijão e as forças ocultas: primeiro livro de leitura popular by the writer Jocelyn Brasil, Brasil século XX by Rui Facó and Problemas brasileiros de educação by Paschoal Lemme. It is intended to demonstrate the different editorial strategies involved in these editions and their role in the relationship between the editorial line and the political line of the PCB in this period.

Keywords: publishing history; communist editions; PCB; developmental; Editorial Vitória.

O artigo propõe uma análise dos aspectos da campanha anticomunista e das propostas reformistas desenvolvidas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês) a partir da Coleção Cadernos Nacionalistas, publicada pela entidade entre 1964 e 1965. Observando os pontos de convergência e divergência entre este projeto editorial e a Coleção Cadernos do Povo Brasileiro, promovida pela Civilização Brasileira de 1962 a 1964, busca-se abordar a luta ideológica no contexto que envolveu o Golpe de 1964, suas reverberações no mercado editorial brasileiro do período e, mais especificamente, na atuação de dois proeminentes editores: Ênio Silveira e Octalles Marcondes Ferreira.

Palavras-chave: Cadernos Nacionalistas; Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês); Golpe de 1964; anticomunismo; reformas de base.

The article proposes an analysis of aspects of the anticommunist campaign and the reformist proposals developed by the Institute of Research and Social Studies (Ipês) based on the Cadernos Nacionalistas Collection, published by the entity between 1964 and 1965. Observing the points of convergence and divergence between this editorial project and the Cadernos do Povo Brasileiro Collection, promoted by Civilização Brasileira from 1962 to 1964, seeks to address the ideological struggle in the context that involved the 1964 Coup, its reverberations in the Brazilian editorial market of the period and, more specifically, in the actions of two prominent editors: Ênio Silveira and Octalles Marcondes Ferreira.

Keywords: Cadernos Nacionalistas; Institute of Research and Social Studies (Ipês); 1964 Coup; anticommunism; basic reforms.

Em 1965, foi criado o Instituto Roberto Simonsen. O instituto era dotado de um setor específico destinado às publicações, o Centro de Bibliotecnia para o Desenvolvimento (CBD), em cujo rol de atividades estavam incluídas as traduções de livros estrangeiros. A despeito de uma noção de desenvolvimento voltada à solução dos “problemas nacionais”, o CBD atuou em conformidade com o pensamento de Simonsen a respeito da relação entre capital nacional e investimentos estrangeiros, dependendo da parceria com uma instituição norte-americana, o Franklin Book Programs, para a consecução de suas atividades. Este artigo trata das relações entre as duas instituições e do modo como um nacionalismo mitigado, compatibilizado com a agenda norte-americana durante a Guerra Fria cultural, definiu os contornos das políticas editoriais do instituto para o desenvolvimento de um Brasil industrial.

Palavras-chave: Instituto Roberto Simonsen; Franklin Book Programs; políticas editoriais; desenvolvimentismo; Guerra Fria cultural.

In 1965, Roberto Simonsen Institute was created. The institute had a specific sector dedicated to publications, the Library Science Center for Development (CBD), whose list of activities included translations of foreign books. Despite a notion of development aimed at solving “national problems”, the CBD acted in accordance with Simonsen’s thinking regarding the relationship between national capital and foreign investments, depending on the partnership with a North American institution, Franklin Book Programs, to achieve its activities. This article deals with the relations between the two institutions and the way in which a mitigated nationalism, made compatible with the North American agenda during the cultural Cold War, defined the contours of the institute’s editorial policies for the development of an industrial Brazil.

Keywords: Roberto Simonsen Institute; Franklin Book Programs; editorial policies; developmentalism; cultural Cold War.

Radicada no centro da cidade de São Paulo entre 1954 e 2006, a Livraria Duas Cidades foi uma editora e livraria religiosa até 1972. Ao abandonar sua gênese católica, a casa modificou o projeto editorial e publicou Antonio Candido e seus orientandos. Mas não foram apenas as pesquisas universitárias que fizeram parte do catálogo da editora na nova fase, quando também promoveu as sociabilidades literárias paulistas e lançou obras poéticas nas décadas de 1970 e 1980. Numa época em que a poesia desafiava experientes editores, a casa dirigida pelo Professor Santa Cruz inovou na materialidade dos títulos publicados, irradiou a poesia brasileira contemporânea e ainda fomentou relacionamentos e eventos culturais. É partindo desse contexto que este artigo trata dos livros de poesia e das redes de sociabilidade literária irradiadas por essa cinquentenária editora paulistana.

Palavras-chave: Livraria Duas Cidades; edição de poesia; sociabilidades literárias paulistas; produção editorial; história do livro no Brasil.

Based in São Paulo downtown between 1954 and 2006, Livraria Duas Cidades was a religious publisher and bookstore until 1972. By undoing its Catholic genesis, the house modified the editorial project and published Antonio Candido and his mentees. In the new phase, it was not only university research that was part of the publisher’s catalog, but also São Paulo literary sociabilities and poetic works in the 1970s and 1980s. At a time when poetry challenged experienced editors, the house which was directed by Professor Santa Cruz innovated in the materiality of the published titles, radiated Brazilian contemporary poetry, fostered relationships and cultural events. Based on this context, this article examines poetry books and the literary sociability’s network brought to the public by this fiftieth publishing house.

Keywords: Livraria Duas Cidades; poetry editing; São Paulo literary sociabilities; editorial production; Brazilian book history.

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