USP sedia 1º seminário internacional sobre gênero, escravidão e liberdade

Evento será o primeiro, no formato presencial, a focar a intersecção de gênero e raça na longa duração da escravidão no Brasil

 Publicado: 22/05/2024

Texto: Marcos Santos

Arte: Beatriz Haddad*

Encontro será promovido pelo grupo Escravidão, Gênero e Maternidade da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP -Reprodução: IEA/USP
Encontro será promovido pelo grupo Escravidão, Gênero e Maternidade da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP -Reprodução: IEA/USP

O grupo de pesquisa Escravidão, Gênero e Maternidade, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, realiza entre os dias 28 e 29 de maio, das 9 às 17 horas, na sala do Conselho Universitário, o 1º seminário internacional Gênero, Escravidão e Liberdade: Perspectivas da Historiografia Brasileira. O evento é realizado em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e será o primeiro em formato presencial no Brasil a focar especificamente a intersecção entre gênero e raça na longa duração da escravidão, trazendo trabalhos inéditos, nacionais e internacionais sobre os mais diferentes aspectos da vida das mulheres escravizadas e suas descendentes na perspectiva da historiografia.

Maria Helena Pereira Toledo, coordenadora do grupo e organizadora do seminário - Foto: Arquivo pessoal
Maria Helena Pereira Toledo, coordenadora do grupo e organizadora do seminário - Foto: Arquivo pessoal

Conforme a professora Maria Helena Pereira Toledo Machado, da FFLCH, coordenadora do grupo de pesquisa e organizadora do evento, os estudos sobre a escravidão e o período pós-abolição no Brasil são fundamentais para compreensão da história brasileira, e contribuem para a construção de uma consciência social interessada em superar históricos problemas brasileiros.

 “Estamos trazendo docentes e pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e estrangeiras para apresentar suas pesquisas, que podem interessar uma ampla gama de pessoas. Isso porque essa história tem um interesse particular em reconstruir aspectos materiais e biografias destas mulheres”, conta a professora.

Na ocasião, Maria Helena apresentará um balanço de suas pesquisas em andamento, com ênfase em seu próximo livro, que será lançado em junho. 

Realizado em coautoria com o professor Antonio Alexandre Isidio Cardoso, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e intitulado Geminiana e seus filhos: uma história de escravidão e morte; maternidade e infância no Brasil do século XIX, o livro está no prelo da editora Bazar do Tempo. A partir de processos criminais, inventários, jornais, papéis da polícia, entre outros documentos, a obra reconstrói a história de uma família escrava, chefiada por uma mãe e avó que teve seus dois filhos menores vendidos e assassinados pela senhora que os comprou. 

“A base deste livro é o conhecido caso da Baronesa do Grajaú, ocorrido em São Luiz do Maranhão, em 1876, o qual recebeu uma leitura radicalmente diversa de tudo o que foi escrito até agora sobre o caso. Fizemos uma abordagem focada na família escravizada e na sociedade escravista de São Luís, que permitiu a ocorrência deste fato. A apresentação do novo livro dará oportunidade para refletir sobre os desafios da pesquisa e ensino destes temas em nossa realidade ”, diz a professora.

Vozes silenciadas

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Para Adriana Santana, da Universidade Federal de Pernambuco, pós-doutoranda e integrante do grupo de pesquisa, o evento é de grande importância, pois permite trazer à tona vozes que foram silenciadas no decorrer da história e ampliar a percepção de Brasil desde sua fundação até o que somos hoje. “Trazer as vozes de mulheres negras e indígenas escravizadas é uma contribuição para que esses estudos saiam do ambiente acadêmico e sejam realmente espalhados para o mundo, e façam parte da historiografia brasileira”, afirma. 

No seminário, Adriana participará da Mesa 4 – Representação do Gênero na Escravidão. Ela apresentará suas pesquisas em conjunto com a professora Maria Emília Vasconcelos, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que faz parte da Rede Negras e Negros Investigadores de História. Adriana e Maria Emília investigam a história de uma sociedade abolicionista composta só por mulheres, fundada em 1884 na província de Pernambuco (atual Recife), chamada Ave Libertas.

“Muitas vezes, ao estudar sobre os processos abolicionistas brasileiros, falamos de homens brancos da elite e também de poucos homens negros livres, mas a historiografia tradicional apaga a participação de mulheres. A ideia é mostrar como uma sociedade só de mulheres conseguiu enfrentar diversas barreiras e atuar diretamente no processo de abolição e de libertação de escravizados no Brasil”, diz Adriana.

Adriana Santana, integrante do grupo de pesquisa que vai falar sobre o Aves Libertas  - Foto: Arquivo pessoal
Adriana Santana, integrante do grupo de pesquisa que vai falar sobre o Aves Libertas - Foto: Arquivo pessoal
Professora Maria Emília, que assina o estudo com Adriana - Foto: Arquivo pessoal
Professora Maria Emília, que assina o estudo com Adriana - Foto: Arquivo pessoal

Pós-doutoranda do Instituto de Estudo Brasileiros (IEB) da USP, Enidelce Bertin, que abordará o tema da maternidade e gênero em São Paulo, diz que o simpósio é uma chance rara para conhecermos as mais recentes pesquisas sobre o tema de forma presencial e também para ter contato com pesquisadoras dos Estados Unidos que estão há mais tempo discutindo a relação entre escravidão e gênero. “Esse intercâmbio com as cientistas americanas tende a fortalecer os grupos que estudam a conexão de gênero e escravidão, já que elas realizam esses estudos há mais tempo”, comenta. 

Enidelce estuda cartas de alforria dos séculos 18 e 19. Para a pesquisadora, a escravidão foi centrada na figura feminina e, quando os documentos dessa época são observados mais atentamente, é possível ver as reais condições em que as escravizadas viveram. “Durante muito tempo esses documentos eram olhados apenas como dados. No entanto, começamos a observar mais atentamente e percebemos o quanto de tragédia existiu nessas experiências vividas”, diz a pesquisadora.

Enidelce Bertin, que falará sobre cartas de alforria - Foto: Arquivo pessoal
Enidelce Bertin, que falará sobre cartas de alforria - Foto: Arquivo pessoal

Ela dá o exemplo de uma tragédia vivida por uma mulher mesmo depois de sua alforria. “Um dia desses, estava vendo uma carta em que uma proprietária alforria uma mulher que, segundo ela, já estava velha para continuar amamentando os filhos da senhora. Coloca que, por enquanto, a escrava pode voltar a amamentar seu filho pequeno, mas a criança será vendida ao completar um ano”, conta Enidelce.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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