Equilíbrio entre publicidade e qualidade é necessário no âmbito cultural

Para Marcello Amalfi, influencers e artistas podem conviver no meio artístico sem que necessariamente haja prejuízos para a arte, que sempre pode se beneficiar de um impulso mercadológico

 17/04/2023 - Publicado há 1 ano
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Não se pode generalizar em termos de qualidade todos aqueles que ou não vieram do teatro, da faculdade, ou os que vieram- Fotomontagem Jornal da USP
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A presença de influencers, desde aqueles que ficaram famosos recentemente nas mídias sociais, como no TikTok e Instagram, até os vindos de programas estilo reality shows, na televisão, no teatro e nas séries, está cada vez mais em destaque. Uma questão levantada é como fica a atuação dos profissionais realmente formados em Artes Cênicas.

“Eu acho que nós estamos vivenciando um momento em que existe uma supervalorização dessas celebridades que aparecem na internet”, diz o professor Marcello Amalfi, da Escola de Comunicações e Artes da USP, membro do Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator (Cepeca) da USP e também coordenador do curso de Música do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Polêmica

Marcello Amalfi – Foto: Arquivo Pessoal

A situação deixada com a visibilidade dessas figuras é o medo das vagas de atuação serem ocupadas por elas e não pelos atores e atrizes formados. O professor coloca que isso é apenas aparente, devido à supervalorização dada, e não deve oferecer um risco à carreira de quem está no meio cênico: “Essa supervalorização acaba dando a impressão de que elas estão tomando o lugar de outros artistas, mas, quando a gente se volta para as artes cênicas, as companhias de teatro tradicionais, os espetáculos de teatro, apesar de existir uma certa presença desses neoartistas, eu não vejo que eles ameaçam o lugar das pessoas que estão trilhando outros caminhos para chegar ao palco”.

Outro ponto importante é o porquê da contratação de determinadas pessoas para os papéis. Amalfi acrescenta: “Quando eu vou dirigir um espetáculo, eu não vou contratar uma pessoa porque ela tem maior ou menor exposição na mídia. Se eu tiver que contratar alguém para cantar uma ópera, eu não vou contratar uma pessoa porque ela tem 10 mil likes na foto das férias dela, eu vou contratar porque ela consegue cantar o que a ópera precisa que ela cante”.

Equilíbrio

Embora o indivíduo realmente deva ser contratado para cumprir os requisitos exigidos pela vaga, a popularidade desses influencers ainda entra no peso da contratação. As empresas, sobretudo as privadas, precisam da influência dessas personalidades para se destacarem no mercado competitivo, mas também não podem perder a qualidade. “Eles agregam para a produção muita propaganda, muito chamariz. Então, esse jogo, na verdade, eu não vejo como nocivo: se eu fosse um professor de biologia, falaria que é um mutualismo, porque ambos se beneficiam. Ao mesmo tempo que esse neoartista se beneficia de estar num palco fazendo um teatro, que vai de alguma forma valorizar sua carreira na mídia, ele está levando pessoas que normalmente não iriam ao teatro. Eu acho que tem aí um equilíbrio: se eu fosse diretor de uma rede de televisão, eu ia ter que tentar buscar esse equilíbrio entre o que eu estou oferecendo em qualidade, digamos assim, padrões artísticos, e o que eu estou oferecendo em padrões comerciais”, coloca o professor. 

Ele ainda acrescenta que não se pode generalizar em termos de qualidade todos aqueles que ou não vieram do teatro, da faculdade, ou os que vieram: “Ah, ‘se ela tem 30 anos de companhia teatral, ela é uma pessoa que atua muito bem’, isso não é uma verdade; ao mesmo tempo que falar que alguém que estourou num programa de reality show e ingressou diretamente no estrelato de uma novela não quer dizer que essa pessoa também não seja uma pessoa capaz de estar onde que ela está. A própria generalização é uma ideia preconcebida de algo, ou seja, é um preconceito. A gente precisa tomar o cuidado de não generalizar as atrizes e atores bons que têm vindo do BBB e vindo dos palcos do teatro. Não dá para traçar uma linha tipo ‘quem vem daqui é bom, quem não vem daqui é ruim’, isso seria desmerecer muita gente boa ou valorizar muita gente ruim”.

Porém, Amalfi ressalta que existem diferenças importantes quanto aos objetivos de cada parte: a dos influenciadores e a dos estudantes e artistas já formados. “A motivação que a pessoa tem para uma coisa ou para outra é o que vai determinar: se a motivação da pessoa é ficar famosa, talvez o caminho dela não seja para o teatro. A pessoa que vai buscar fazer teatro gosta de fama? Gosta. Gosta de ser bem remunerada? Gosta também, mas nem sempre é essa a motivação final. Eu acredito que a pessoa que escolhe fazer um curso de artes cênicas sabe exatamente onde ela quer chegar. Não há uma garantia de que a pessoa entra ali e na semana seguinte ela vai ser convidada para fazer uma live com a ‘bam bam bam’ do momento, não existe isso. Mas lá a gente garante que ela vai ter uma formação sólida, que ela vai ter uma experiência, uma trajetória de aprendizagem, um percurso que vai ajudar ela a construir uma carreira.”


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