Divergências políticas e diplomáticas marcam posse de Lula como presidente do Mercosul

Segundo Amâncio Jorge da Silva, tanto o Mercosul como a União Europeia defendem seus protecionismos e esbarram em determinações ambientais

 05/07/2023 - Publicado há 10 meses
Há uma certa polarização de visões no interior do Mercosul e, por regra, a União Europeia só negociará com o Mercosul como um bloco – Fotomontagem via imagens Pixabay
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência temporária do Mercosul na tentativa de destravar o acordo entre Mercosul e União Europeia. Na 62ª reunião dos chefes de Estado do Mercosul, ocorrida em 4 de julho, algumas divergências foram evidenciadas entre os países que compõem o bloco sul-americano e o presidente comentou que a carta que a União Europeia mandou ao Mercosul é inaceitável sob alguns aspectos. 

“A retomada do governo petista no caso brasileiro gera uma espécie de desalinhamento no Mercosul, na medida em que o Mercosul passa a ter duas visões distintas, a do Uruguai e Paraguai e da Argentina e Brasil. Há uma certa polarização de visões no interior do Mercosul e, por regra, a União Europeia só negociará com o Mercosul como um bloco, como um todo. E aí vem o problema desse equilíbrio difícil de ser feito com condições distintas, que está acontecendo no interior do Mercosul, e o presidente Lula terá dificuldade de fazer essa harmonização de posicionamentos do Mercosul”, diz Amâncio Jorge da Silva, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.

Momento atual 

Um dos pontos de conflito é a Venezuela. O presidente do Uruguai cobrou uma posição clara do país sobre manobras do regime venezuelano para as eleições que acontecerão no ano que vem, ao passo que o Brasil se colocou ao lado da Venezuela. “A Venezuela passa a ser o elemento de instabilidade se o Brasil insistir nessa retomada da Venezuela ao Mercosul. Isso acaba impactando essa harmonia que eu comentei e a capacidade de poder de barganha que precisa ficar unificado para negociar com a União Europeia”, explica o professor.

A posição de Lula demonstra insistência também nos termos oferecidos pela União Europeia para o acordo, defendendo que muitos deles são desfavoráveis para o bloco sul-americano. A fala do presidente envolve a defesa de que o Brasil não pode ser eternamente um mero exportador de matéria-prima, minério e petróleo e diz também que precisa de apoio para tentar reativar a indústria nacional.

Silva diz que as visões de ambos os lados estão em jogo: “Era esperado isso, porque o governo, que tem um tom mais à esquerda, vai militar muito mais pelas políticas industriais e denunciar isso que seria um protecionismo europeu. Tem algumas questões contragovernamentais envolvidas, além das questões ambientais, que estão ligadas a essa política industrial, a essa industrialização a que se refere o presidente Lula. Eu diria que os dois lados têm o seu tom preocupados com industrialização e protecionismo, tanto o lado brasileiro quanto o lado europeu”. 

Uma das estratégias de negociação é separar os temas ambientais dos temas comerciais para o firmamento do acordo. Para o professor, essa medida é inviável: “Acho muito difícil que se desvincule o meio ambiente do comércio, as políticas da União Europeia estão se tornando mais vinculantes entre comércio e meio ambiente. Acho muito difícil que a solução seja por aí, acho que a questão é realmente o termo do acordo que vai ser trabalhado a ponto das duas partes aceitarem, é um exercício bastante complexo, mas tem perspectiva. Vai depender dessa concessão bilateral”.

Acordo de grande porte

Segundo Silva, a política externa de Lula privilegia acordos menores com países em desenvolvimento, mas a falta de um acordo de grande porte fechado como esse com a União Europeia pode prejudicar o Brasil, como elucida Silva: “O grande problema disso é que ele não traz um benefício do ponto de exportações, investimentos etc., como os acordos de grande porte. Eu diria que é um grande acordo [Mercosul e União Europeia]. A gente teve a oportunidade de assinar um acordo com os Estados Unidos e não assinou. Acordo realmente com esse porte é o único que tem em perspectiva, os outros são acordos mais pontuais. Portanto, para sair desse imobilismo, esse acordo seria bastante importante”. 


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