Cigarros eletrônicos geram debate sobre sua eficácia no combate ao tabagismo

Ubiratan de Paula Santos comenta uma realidade discordante: enquanto a comercialização do produto é proibida no Brasil, o governo inglês distribui kits gratuitos para a população como meio de diminuir o vício do tabaco

 04/07/2023 - Publicado há 10 meses
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No Brasil, mesmo com a proibição do comércio dos cigarros eletrônicos, mais de 2 milhões de adultos utilizam o produto – Foto: Freepik
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Nos últimos tempos, principalmente entre os jovens, o uso do cigarro eletrônico, conhecido também como vape ou pod, se tornou um hábito comum. No Brasil, a comercialização do produto é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009, o que não impede sua venda de forma ilegal e muito simples por meio de lojas físicas e on-line. Por outro lado, o governo do Reino Unido aposta no produto como forma de diminuir o número de usuários do cigarro comum e incentiva o seu uso.

Ubiratan de Paula Santos – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

No Brasil, mesmo com a proibição do comércio dos cigarros eletrônicos, um levantamento recente do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) aponta que mais de 2 milhões de adultos utilizam o produto, o que indica a ineficácia das medidas de proibição. Já o governo inglês, em abril deste ano, apresentou um pacote de medidas com o objetivo de distribuir gratuitamente 1 milhão de kits de cigarros eletrônicos para sua população, em uma tentativa de diminuir as taxas de tabagismo na Inglaterra para menos de 5% até 2030. A medida gerou polêmica sobre se essa seria ou não uma boa forma para abandonar o vício. 

O médico pneumologista Ubiratan de Paula Santos, da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFM) da USP, comenta que alguns pontos geram essa divergência. A falta de estudos sobre a nocividade do cigarro eletrônico e sua efetividade no processo de retirada do cigarro comum dos hábitos dos fumantes são alguns deles, aponta o médico. “Não há evidências e estudos, por ser algo recente, sobre quais os riscos a longo prazo na saúde dos usuários dos cigarros eletrônicos”, comenta Santos.

A permanência do hábito

O especialista comenta que a medida adotada pelo Reino Unido, por simular a maneira de fumar, ou seja, o indivíduo mantém o hábito de levar o dedo na boca e todo o ritual do momento, seria uma forma mais efetiva para deixar o vício, isso quando comparado a métodos como reposição de nicotina através de adesivos ou até mesmo a gomas de mascar. No entanto, esse é um argumento ainda sem evidências, visto que a pessoa que opta pelo cigarro eletrônico ainda fica dependente da nicotina. “É diferente do tratamento, quando se usa as drogas habituais, com uma abordagem psíquica comportamental, e usamos medicamentos por tempo determinado”, esclarece Santos.

Os estudos recentes mostram que a maioria dos indivíduos que transitaram do cigarro normal para o cigarro eletrônico, ainda que conseguissem parar completamente o uso do produto comum, “continuaram inalando altas doses de nicotina pelo uso do cigarro eletrônico”, afirma o pneumologista. 

João, nome fictício, na tentativa de parar de fumar após 18 anos, optou pelo uso dos vapes e conta que, no começo, a adaptação foi difícil. No primeiro momento, João comprou essência com nicotina e, aos poucos, foi diminuindo sua quantidade; para ele, o método foi uma boa alternativa. “Hoje eu fumo bem pouco o cigarro eletrônico, e só com essência. Mas pretendo parar com ele também.”

Além disso, Santos comenta que é comum que as pessoas permaneçam usando os dois tipos de cigarro. O alto valor dos vapes, quando comparado ao cigarro normal, é um dos principais fatores para isso acontecer. “O indivíduo não tem dinheiro para comprar o cigarro eletrônico e opta pelo produto mais barato”, esclarece o pneumologista.”

Divergências de opinião 

Não é um consenso que o cigarro eletrônico  utilizado como forma de tratamento possa parar com o uso do cigarro comum – Foto: Freepik

 

O médico conta que a Divisão de Pneumologia do Hospital das Clínicas da FM em São Paulo não recomenda o uso do cigarro eletrônico como forma de tratamento para parar com o uso do cigarro comum. “Existem formas clássicas e bem documentadas, em estudos exaustivos em todo o mundo, sobre medicamentos e drogas que podem ser utilizadas por tempo determinado para ajudar as pessoas a parar de fumar”, comenta Santos. Além disso, o acompanhamento neurocomportamental é realizado para ajudar o fumante a se livrar do vício, acrescenta. “O tratamento com o cigarro eletrônico não visa a parar a dependência da nicotina, o objetivo é parar o uso do cigarro comum”, finaliza o médico. 


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