A marcha inexorável da “ralécracia”

Marília Fiorillo enxerga nos ralétocratas a “capacidade” de serem broncos, estúpidos, grosseiros e incivilizados, embora muito espertalhões

 08/03/2024 - Publicado há 2 meses

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 “Caminhamos para a ascensão e o esplendor das “ralécracias”, uma nova modalidade de governo”, diz a professora Marília Fiorillo logo nas primeiras falas de sua coluna. “A eleição de Milei, na Argentina, a provável vitória de Trump, nos Estados Unidos, e a resistente popularidade do ex-presidente do Brasil são exemplos cabais do sucesso da “ralécracia”, esse novo jeito de governar. Há quem prefira falar em autocracia, mas essa consagrada definição não capta o novo sabor e dinâmica dessas neocracias, isso porque exclui o que existe nas “ralécracias” de singular e sedutor. Sedutor, sim, daí o fato de empolgar a maioria. A vulgaridade, a excitação da ignorância atávica e do ressentimento nos seguidores, e mesmo a boçalidade, são os traços distintivos da ‘ralécracia’“, argumenta Marília, que prossegue: “Quanto mais chulo e disparatado o discurso dos novos ralétocratas, maior a simpatia por eles […] ralétocratas se gabam da incultura e insensibilidade, desprezam qualquer veleidade de interesse pelo bem comum e sua vantagem competitiva é exatamente a de serem broncos, estúpidos, grosseiros, incivilizados …mas muito, muito espertalhões”.

A colunista vai além e diz tratar-se de um fenômeno mundial, já previsto por um livro clássico publicado em 1928 “pelo primeiro explicador do País, o intelectual, mecenas e cafeicultor Paulo Prado”. Em seu Retrato do Brasil -Ensaio Sobre a Tristeza, Marília diz que ele “esmiuçava tal tendência, referindo-se à  anemia política e ânsia de enriquecimento rápido ou cobiça, que é o título do segundo capítulo. E continuava, sobre o desprezo pelo bem comum: ‘Esse bispo, que quando mandava comprar um frangão, quatro ovos e um peixe para comer, nada lhe traziam, porque não se achava na praça nem no açougue, mas se mandava pedir as ditas cousas e outras mais às casas particulares, as mandavam. Verdadeiramente, dizia o bispo, nesta terra andam as coisas trocadas, porque Ella toda não é República, sendo-o cada casa’. Como Prado é contemporâneo! Resta dizer que, se as ralécracias prosperam, não é por imposição, mas por identificação. Estaríamos mergulhando no oitavo e penúltimo círculo do Inferno de Dante, o da fraude, já saciados com o da ganância seletiva?”.


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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