O Senado Federal aprovou em junho o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, projeto de iniciativa do governo federal aprovado em dezembro de 2019 pelo Congresso e que agora vai para sanção presidencial. O Projeto de Lei (PL 4.162/2019) do governo Bolsonaro era baseado na Medida Provisória (MP) nº 868, de 2018, adotada pelo então presidente Michel Temer para alterar a legislação, mas que perdeu validade ainda no primeiro semestre do ano passado. Dentre as mudanças, estão a prorrogação do prazo para o fim dos lixões, a facilitação da privatização das estatais do setor e a extinção do atual modelo de contrato.
“Minha primeira visão é de que estamos inflando as expectativas, criando metas ambiciosas que estão no PL, se pensarmos no passado recente. É fundamental, ao lado dos benefícios, que se reconheça a lei como mecanismo indutor de transformação, mas que ela não é propriamente o fator de transformação”, avalia Sebastião Botto Tojal, professor do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito (FD) da USP, em entrevista ao Jornal da USP no Ar, na abertura do Especial Saneamento Básico deste jornal.
De acordo com o professor, é preciso que haja vontade política para cumprir as metas, que não dependem só de governos, mas também da sociedade. Para Tojal, o financiamento do setor através das tarifas cobradas esbarra na questão da desigualdade social, sempre presente no Brasil, evidenciadas pelo déficit de acesso à água potável e ao tratamento de esgoto em diversas regiões. Só isso já torna impraticável grandes investimentos tanto do setor público (estatais) quanto da iniciativa privada.
Tojal alerta para um cuidado que se faz necessário neste momento: um certo “fetiche” que se estabeleceu de que a iniciativa privada resolverá todas as carências do setor. Ele explica que não é exatamente dessa maneira que o sistema econômico se comporta e acredita que nós só avançaremos na resolução de problemas se tivermos clareza das limitações dos instrumentos existentes. “A lei é uma inovação importantíssima e traz inúmeros benefícios, mas vamos colocá-la dentro daquilo que de fato ela pode oferecer. Ela não pode transformar um sistema econômico que se orienta pela sistemática do lucro. A iniciativa privada não tem interesse [em investimentos] que se mostram, em um primeiro momento, impagáveis no curto e médio espaço de tempo.”
A Agência Nacional de Águas (ANA) terá papel fundamental na elaboração de planejamento estratégico no alcance de áreas mais distantes dos principais centros brasileiros e também na periferia das grandes cidades. Sebastião ressalta que a forma federativa de composição do Brasil pressupõe uma relação de colaboração entre as esferas, não só entre União, estados e municípios, mas entre os próprios municípios. No Novo Marco Legal, há um esforço para que tenha reunião de municípios em consórcios para entrega de serviço, seja da empresa estatal, seja da iniciativa privada.
“Há toda uma preocupação em reconhecer que municípios individualmente não podem tocar essas questões (tratamento de água e esgoto), que estão além das suas capacidades orçamentárias”, comenta o professor sobre um dos pontos positivos da nova lei. Para além das dificuldades orçamentárias, existem as questões geográficas que passam dos limítrofes municipais e o próprio processo de captação de água. “A lei fornece uma luz para acabar com a disputa de titularidade local, para reconhecer que é fundamental que os municípios se reúnam e que as regiões metropolitanas possam cumprir o papel da contratação dos serviços e, consequentemente, cumprir as metas estabelecidas.”
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