O Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento sobre a demarcação de terras indígenas a partir do Marco Temporal. Nesse critério, a reivindicação de terras pelos indígenas só será possível se elas foram ocupadas antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. De um lado, ruralistas são favoráveis à tese. Do outro, povos indígenas lutam contra a medida inconstitucional, defendendo o direito originário de posse dessas terras que também é garantido na Constituição.
“É um momento muito sensível”, destaca Marta Rosa Amoroso, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA) ao Jornal da USP no Ar 1° Edição. “É preciso lembrar que a Constituição de 1988 reafirma o direito dos povos tradicionais sobre as terras e estabelece um prazo para a regularização das terra indígenas no Brasil de cinco anos, a partir de 1988”, explica. O País segue imerso na discussão por conta dessa dívida histórica do Estado que, do ponto de vista jurídico atual, de acordo com Marta, “é uma tentativa de golpe que ameaça a Constituição”.
A terra representa um modo de vida para os povos indígenas, que se configura em torno de uma filosofia de pertencimento e relacionalidade. “Para os povos indígenas, a terra, o rio, as montanhas constituem seus próprios corpos”, explica Marta. Ela ainda cita o filósofo e cacique Babau Tupinambá da Bahia: “Tudo que é vida tem direito. Tudo que é vida tem espírito. E nós, povos indígenas, conversamos com os espíritos”. Para a pesquisadora, esse é um segundo nível incompreendido dessa relação do indígena com a terra, que é desconsiderado em muitos contextos.
“A gente acompanha na mobilização indígena a angústia diante do perigo de tornar essas terras indígenas mais vulneráveis ainda. O que vemos é o garimpo e exploração mineral sendo legalizados, enquanto a discussão do direito à terra atual suspende o direito constitucional”, avalia. Por fim, Marta ainda revela que os povos indígenas são confrontados a todo momento por pessoas que se julgam no direito de avançar sobre as terras tradicionais, o que gera ainda mais vulnerabilidade para essa população que, ao contrário do que acontece, deveria ser amparada pela legislação.
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