Lei traz avanço na promoção real da igualdade salarial entre homens e mulheres

Júlia Lenzi Silva comenta que dentre os avanços que contribuem para mudanças na prática estão medidas punitivas mais severas para a violação desses direitos e maior transparência sobre os dados remuneratórios

 12/07/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 14/07/2023 as 13:55
Por
Igualdade de gênero – Arte: Moisés Dorado sobre imagens Pixabay
Logo da Rádio USP

O PL 1.085/2023, mais conhecido como o PL da Igualdade Salarial, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do mês, torna obrigatória a equidade nos salários e critérios remuneratórios entre mulheres e homens para trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. 

De acordo com dados do IBGE, a tendência de queda da desigualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil sofreu um retrocesso e atingiu 22%. Ainda assim, as mulheres passaram a ganhar o correspondente a 78% do salário de um homem. 

Júlia Lenzi Silva – Foto: Reprodução/FD-USP

Júlia Lenzi Silva, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social, ressalta o significado dessa conquista inédita na história do Brasil. “Pode sim ser considerado um avanço inédito na legislação brasileira em cima de uma temática, que é muito debatida pela população em geral, a eficácia dos efeitos concretos da igualdade salarial”, afirma 

Além disso, é necessário entender que a aprovação e sanção do projeto, diferentemente de como está repercutindo, não se trata de uma dádiva concedida pelo governo atual. Mesmo que o novo contexto político esteja mais aberto a diálogos com os movimentos sociais, Júlia argumenta que as conquistas nos direitos humanos têm origem na luta concreta das organizações sociais. Especialmente, os avanços no campo de direito das mulheres.

Mudanças inovadoras

Dentre os avanços que contribuem para mudanças na prática estão medidas punitivas mais severas para a violação desses direitos e maior transparência sobre os dados remuneratórios. Por exemplo, de acordo com o texto anterior presente no art. 510 Consolidação das Leis e Trabalho (CLT), pela infração das proibições constantes será imposta à empresa a multa de valor igual a um salário mínimo regional, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais consequências legais. Na lei aprovada, a multa será igual a dez vezes o novo salário. 

No que tange a transparência de dados, o projeto prevê a emissão semestral de dados remuneratórios de empresas com 100 funcionários ou mais apoiados pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. O relatório visa a facilitar a identificação de possíveis casos de discriminação, não só de gênero, mas também de raça, origem ou idade.

Júlia comenta que essas mudanças poderão preencher o vazio de mecanismos de fiscalização e transparência que impedia a vivência efetiva da igualdade entre homens e mulheres. “Por meio das previsões contidas no PL da igualdade salarial, há um caminho traçado e obrigações previstas tanto para o poder público quanto para a iniciativa privada”, discorre. 

Aplicabilidade

Os avanços estabelecidos por uma legislação específica para garantir a igualdade salarial  entre homens e mulheres são inegáveis, porém, ainda há espaço para discussão de sua aplicabilidade e eficácia na realidade brasileira. Júlia esclarece que as leis em sua maioria são abertas e apenas especificam o conteúdo dos direitos. Já a forma possível de cobrar que seja garantida é responsabilidade daquilo que é denominado de decreto.

“A legislação aprovada prevê a publicação semestral de relatórios de transparência salarial, mas a forma desse relatório, qual será o seu canal de envio e quais os tipos de informação serão trazidas por meio do decreto”, explica Júlia. Assim, a formação e o estabelecimento desse documento também é um espaço de luta para que os direitos não sejam apenas garantidos como expandidos. 

Desafios 

Júlia comenta como essa medida representa um adensamento do compromisso democrático por um mercado de trabalho mais igualitário, no entanto, a mobilização dos movimentos sociais não deve parar diante desse avanço. Mesmo que a responsabilidade de cumprimento das normas estabelecidas seja do Estado, a potência transformadora da legislação vem diretamente da sociedade civil.

Dessa forma, um desafio ainda a ser enfrentado foi apontado pela especialista: a questão do trabalho reprodutivo que não foi abordada no projeto sancionado. Essa questão envolve todas as atividades relacionadas com a reprodução da vida como lavagem, preparação de alimentos, educação. Enfim, a gestão dos lares brasileiros, podendo ser um trabalho remunerado, trabalho doméstico, ou não, portanto, realizado nas duplas ou triplas jornadas. 

Júlia propõe uma análise mais aprofundada sobre como o trabalho reprodutivo, sendo realizado em sua maioria por mulheres, se encaixa dentro do alcance da equidade salarial. “Esse não é um tema tocado pela legislação e que permanece sendo fundamental para que mulheres efetivamente possam gozar de tratamento isonômico perante a lei”, defende. Além disso, acrescenta que o trabalho reprodutivo deve ser reconhecido social e economicamente para uma igualdade de fato, uma vez que o trabalho das mulheres não se resume às oito horas diárias.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.