Lei da alienação parental é importante recurso de proteção de crianças e adolescentes

Especialistas comentam o desafio da Lei e a necessidade de que os filhos tenham modelos que exerçam a função materna e a função paterna

 24/07/2023 - Publicado há 9 meses     Atualizado: 25/07/2023 as 14:31
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O conceito de parentalidade é extremamente importante, já que os filhos necessitam de modelos materno e paterno  – Foto: Freepik
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A Lei da alienação parental (Lei nº 12.318), sancionada em 2010, tem como objetivo proteger crianças e adolescentes de interferências em sua formação psicológica por parte de um dos genitores do menor contra o outro. O fenômeno da alienação acontece, normalmente, entre pais divorciados, mas não se restringe a esses indivíduos, sendo possível identificá-lo a partir de alguma ações, como: dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar o contato da criança com um genitor, apresentar falsas denúncias sobre uma das partes, entre outras. 

Giselle Groeninga – Foto: Leila Fugii

O tema apresenta-se de forma complexa e gera alguns debates acerca de sua aplicação, sendo importante a compreensão a respeito dos efeitos psicológicos que o fenômeno apresenta, além do entendimento sobre as implicações que o tema apresenta no âmbito do Direito Familiar. Giselle Groeninga, psicanalista e doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo, analisa a aplicação da lei atual como positiva no geral, sobretudo na sensibilização da importância do exercício de ambos os genitores na vida da criança ou do adolescente.

A especialista explica que, hoje, não há nenhum quadro efetivo que demonstre de forma estatística como tem sido a aplicação da lei, contudo, a presença de relatos de indivíduos que tiveram uma experiência positiva com a sua utilização é frequente — apesar de queixas no sentido de que a lei não tem sido bem aplicada em alguns casos. “O valor educativo da lei da alienação parental é positivo, porém há muito a ser aperfeiçoado”, explica. 

Tamara Brockhausen – Foto: arquivo pessoal

Tamara Brockhausen, mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo, relata que, até a promulgação da lei, o Brasil era um descumpridor das legislações, regras e direitos constitucionais da criança e do adolescente no convívio com a família. “Havia uma relutância da Justiça em aplicar a norma, o que criava vantagens ao alienador que ganhava com a demora no agir da Justiça, pois muitas vezes essa omissão gerava um ambiente propício para o aprofundamento da recusa incrível da criança ao seu ente querido, inviabilizando que esses casos fossem resolvidos”, relata a especialista. 

Atualmente, o sistema costuma atuar de uma forma melhor com relação a essa questão, apesar da demora no diagnóstico do problema em grande parte dos casos. “Há uma subidentificação do problema da alienação parental pela Justiça, o que leva ao fato de que, apesar de ser uma lei bem-aceita no Brasil, não deixa de ser um fenômeno de difícil identificação, assim como o é toda forma de violência por questões complexas da dinâmica própria destas situações”, adiciona.

Nota-se que a falta de identificação do problema não é restrito ao Brasil, sendo possível notar que países desenvolvidos também não parecem reconhecer bem o tema em decorrência de sua invisibilidade. Assim, para a pesquisadora, a capacitação profissional é uma das principais chaves para que o Estado seja mais eficiente na rápida e eficiente identificação do problema e na tomada de intervenção.

Desafios

Segundo Giselle, é possível observar que, as vezes, o fenômeno da alienação parental parece ser utilizado como forma de obter vantagens pessoais, ou seja, há uma má utilização da lei como forma de litigância de má-fé, notando-se que isso acontece também com outras leis presentes no País, como a Lei Maria da Penha. “Ela é utilizada, em alguns momentos, como forma de pressão em relações de questões materiais, como divisão de patrimônio, questões de pensão e, algumas vezes, quando há acusação de abuso sexual, se entra com a lei da alienação parental para fazer um fogo de encontro”, reflete.

Contudo, a pesquisadora reforça ainda que o mau uso das leis não justifica a sua supressão ou revogação, sendo essencial que o Poder Judiciário cuide para o bom uso das legislações de forma que elas possam ser eficazes.   

Tamara também comenta que as partes neutras dos casos, como o Ministério Público, juízes, peritos e desembargadores, são os únicos que possuem uma legitimidade na Justiça para diagnosticar o problema e tomar medidas em face dele, assim, costumam ser altamente criteriosos para utilizar os dispositivos protetivos e coercitivos da Lei 12.318 e para cunhar o termo alienação parental em face de um dos pais. 

Uso da psicanálise 

A identificação da alienação parental também é uma questão levantada nesse debate, dessa forma, para Giselle, a psicanálise pode ser utilizada nessa questão. Isso acontece, pois, a partir desse estudo, nota-se que os fenômenos apresentam um aspecto inconsciente. “Muitas vezes, a alienação parental acontece por razões inconscientes, não é uma má-fé consciente, não é necessariamente uma tentativa de vingança consciente, mas sim questões que vêm do inconsciente”, analisa.

Tamara explica que “a Lei e teoria da alienação parental vão ao encontro aos critérios éticos, de cura e de saúde mental que estabelecem a psicanálise, isto é, da importância dos laços afetivos saudáveis e das figuras de referência primárias na formação da estrutura de personalidade de um sujeito, no seu porvir e na sua higidez mental”. 

Giselle aponta também que o conceito de parentalidade é extremamente importante para essa discussão, já que os filhos necessitam de um modelo que exerça a função materna e de um modelo que exerça a função paterna, sendo também necessário um modelo de casal parental para garantir que a criança tenha exemplos positivos de relacionamento. 

A alienação parental apresenta também alguns efeitos psicológicos diretos nos indivíduos, sendo importante considerar a subjetividade de cada pessoa para uma análise mais profunda do tema. “Penso ser um grande erro quando pessoas ou profissionais minimizam os efeitos deletérios da alienação parental na mente dos filhos e colocam essa forma de violência numa categoria de menor gravidade quando comparado às outras formas de violência contra seres vulneráveis”, reflete Tamara. 

A especialista explica ainda que, a curto prazo, o fenômeno pode gerar sintomas como ansiedade, depressão e desrespeito às normas e, a longo prazo, é comum que esses filhos repitam esse comportamento com seus próprios filhos. 

A Lei

Apesar de apresentar alguns problemas em sua aplicação, Giselle Groeninga explica que a lei da alienação parental vem sendo vítima de uma campanha de difamação com argumentos que são improcedentes acerca de sua atuação. “Essa é uma lei que deixa clara a necessidade e a forma de realização das perícias, que é um instrumento capaz de identificar, na medida do possível, quando as denúncias são errôneas ou quando elas são verdadeiras”, destaca. 

Além disso, devido à má reputação criada nos últimos tempos associada à expressão “alienação parental”, a especialista diz que talvez seja necessário substituir o termo por “impedimentos ao relacionamento familiar”, aproveitando o que existe de positivo na lei atual e criando uma nova que contemple o fenômeno da alienação parental, porém sem os aspectos que estão sendo alvo de críticas. “No aperfeiçoamento da Lei também é necessário deixar muito claro que ela não pode ser utilizada contra as mulheres, ela tem que ser uma lei que independente de gênero, porque a finalidade dela é, sobretudo, a proteção dos mais vulneráveis”, comenta. 

Durante muito tempo, a alienação parental foi classificada como “síndrome”, fator que, até hoje, atribui críticas à criação da lei em vigor desde 2010. “Considero irresponsável e desleal, do ponto de vista intelectual, descredibilizar por completo a teoria da alienação parental pelo fato de, nos seus primórdios, ela carregar a palavra “síndrome” na sua frente e pelo fato de ser questionado se de fato se constitui uma patologia médica”, analisa a pesquisadora Tamara. 

“É do interesse do movimento contestador tendenciar a discussão, engrossar e distorcer informações para ganhar adesão de pessoas e forçar na tentativa de revogação da Lei. Não se deve perder de mente que toda mudança de paradigmas é acompanhada de caos e resistência. A Lei 12.318 é um verdadeiro avanço na proteção da infância da adolescência em nosso país”, finaliza.

*Sob orientação de Marcia Avanza


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