Avanço das políticas antidemocráticas em Israel não deve ser visto como algo inesperado

Segundo Elizabeth Clemesha, a reforma judicial proposta pelo governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu mostra sinais de conservadorismo e fundamentalismo religioso

 28/07/2023 - Publicado há 9 meses
Por
Cláusula que restringe os poderes da Suprema Corte em derrubar decisões do governo ou do Legislativo foi aprovada no Knesset, o Parlamento israelense – Foto: Wikimedia Commons

 

Logo da Rádio USP

O projeto de lei aprovado pelo Parlamento israelense, na última segunda-feira (24/7), limitando a atuação do Poder Judiciário, ocasiona uma mudança na legislação que afeta o “princípio da razoabilidade”, de acordo com o professor  Alberto do Amaral da Faculdade de Direito da USP. Esse princípio permite que o Poder Judiciário anule decisões consideradas “irracionais” ou “não-razoáveis”, explica. Esse cenário ganha proporções maiores com a ausência de uma Constituição formal no Estado de Israel, ou seja, a Suprema Corte legisla a partir de “Leis Básicas”. Assim, a alteração no “princípio da razoabilidade”, segundo o professor,  impacta diretamente a estrutura e o exercício da democracia, visto que esse recurso é utilizado para “designar leis inconstitucionais”. 

Essa medida faz parte da reforma judicial proposta pelo governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu que, cada vez mais, mostra sinais de conservadorismo e fundamentalismo religioso, conforme Arlene Elizabeth Clemesha, professora de História Árabe da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ela ressalta que o avanço das políticas antidemocráticas não deve ser visto como algo inesperado, uma vez que esse movimento já estava sendo anunciado na última campanha eleitoral.

Impactos  

Arlene Clemesha – Foto: IEA-USP

Alberto do Amaral alerta que, com falta de limites, a reforma pode conceder uma força jamais vista ao Parlamento e quebrar o princípio de separação e equilíbrio dos três Poderes. “Tudo indica que o atual governo israelense continuará em seu intento de reformar o Judiciário e esse é apenas um primeiro passo de outros que virão, conforme declarou o ministro da Justiça”, prevê. Uma das mudanças já pautadas é a modificação no comitê de escolha dos juízes, inclusive da Suprema Corte. 

Arlene considera a medida como uma forma de Netanyahu beneficiar a si próprio, tendo em vista que o político corre o risco de ser acusado e condenado por casos de corrupção. “Ele precisa ter maior controle sobre o judiciário ao começar a nomear juízes cooptados, de pouca autonomia, ou juízes que não se importam em agir de maneira política para poder ter alguma chance de não terminar os seus dias preso por corrupção”, pontua a professora.

Reações nacionais 

Alberto do Amaral Júnior – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O movimento da sociedade contra o sistema de extrema-direita e suas políticas, segundo Arlene, tem se intensificado desde o início do ano, além de ocupar um lugar de protagonismo na oposição. Entre os grupos que protestam estão associações de pesquisa, acadêmicos e organizações de direitos humanos, que estão movendo pedidos de recurso acerca da aprovação do PL. 

Outra preocupação importante é com o setor de segurança do país, como o exército e a polícia, alerta Amaral. “Há o risco de que os israelenses laicos não venham a servir o exército e a perda de reservistas por parte do exército de Israel pode comprometer a segurança do Estado como um todo”, relata o professor. 

Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, levanta outro ponto: o aumento da polarização na sociedade israelense entre aqueles que desejam um governo mais progressista e laico e outros que almejam um Estado mais religioso e ortodoxo. Ele esclarece que não se trata de um fenômeno novo, mas que a atual situação política ocasionou uma aceleração do que já estava estabelecido.

Kai Enno Lehmann – Foto: Reprodução/ResearchGate

O conflito Israel-Palestina é observado por Lehmann como um ponto de tensão crescente que pode enfrentar uma escalada ainda mais violenta nos territórios ocupados. Para o professor, pode haver uma intensificação do discurso político baseado no “combate aos palestinos” como inimigo comum. 

Sob esse viés, Arlene ressalta que o governo do país apresenta sérias falhas na manutenção de um regime democrático desde sua criação, em 1948, uma vez que se desconsidera cerca de 20% da população palestina ocupante. “Porque se o país já é configurado para lidar com parte da população de maneira não democrática, não deveria causar surpresa que esse âmbito não democrático acabe resvalando para outras esferas dentro do país”, argumenta a professora. 

Repercussão mundial 

+ Mais

Conflito na Cisjordânia é o mais violento dos últimos anos

Apesar de Lehmann declarar ainda ser muito cedo para traçar perspectivas futuras, ele nota algumas repercussões negativas na geopolítica mundial, como é o caso dos Estados Unidos. Arlene, no entanto, avalia que a resposta internacional ainda é fraca diante das decisões antidemocráticas recorrentes na condução do governo. 

“O cenário é ruim para a democracia e para o Estado de Direito e isso contribui, sem dúvida, para alimentar uma estratégia da extrema-direita mundial de conceder poder ao Executivo e frear as tentativas de limitação pelo Judiciário”, aponta Amaral. 

*Sob orientação de Marcia Avanza


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.