Erosão da democracia no País teve início a partir das Jornadas de Junho em 2013

A reorganização e a agregação de grupos sociais de extrema direita são fruto da insatisfação manifestada a partir de 2013, mas já existiam, diz Adrian Gurza Lavalle

 29/03/2023 - Publicado há 1 ano
O que poderia ser  uma manifestação salutar de uma sociedade heterogênea acaba por se tornar uma manifestação tóxica de posições fortemente polarizadas e extremistas Foto: Getty Images
Logo da Rádio USP

Uma movimentação vista pelo Brasil e pelo mundo no sentido da desdemocratização e erosão das democracias é tema do livro Participação e Ativismos: entre Retrocessos e Resistências, lançado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP. O livro, que começou a ser organizado ainda em 2018, trata das resistências e dos retrocessos e da relação com o crescimento da extrema direita no País, que é resultado do confronto político estabelecido entre as elites, as autoridades e agentes políticos e os movimentos sociais. 

O estopim para as insatisfações foram as manifestações de 2013, conhecidas como Jornadas de Junho, e que desembocaram na crise instaurada em 2014. “Percebemos que seria importante começar a pesquisar as origens daquilo que nós estávamos vendo evoluir no País de forma muito preocupante e que tinha a ver com uma ascensão da extrema direita e com a eventual vitória de Bolsonaro, que depois acabou se tornando real”, explica o professor Adrian Gurza Lavalle, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, vice-diretor do Centro de Estudos da Metrópole e um dos organizadores do livro. 

Ele  analisa que o que estava acontecendo, na verdade, tinha a ver com processos mais lentos e profundos de reorganização da sociedade e de grupos sociais que sempre tiveram compreensões mais à direita e não encontravam um agente ou veículo político para se manifestar. O livro, então, procura entender qual é a origem desses movimentos, que desembocaram em um processo de reorganização da sociedade civil, tematização e agregação de grupos sociais. Essas diferenças não eram localizadas com tanta força na sociedade antes, mas já estavam presentes antes de se tornarem públicas, explica Lavalle. 

 Ponto de virada

“A ampliação de preferências políticas em diversos segmentos da sociedade, com pautas distintas, é , por definição, favorável à democracia, da qual faz parte a manifestação de posições contrárias em relação a conflitos diversos”, diz o professor. A manifestação dessas posições contrárias foi o ponto de virada para esse processo de desdemocratização.  As sociedades são complexas e têm grupos complexos, com diferentes visões da vida, o que propicia o surgimento e convívio entre diferentes agentes políticos. Em 2013, tivemos uma diversidade heterogênea de atores, o que é saudável do ponto de vista da democratização da esfera pública. 

Adrian Lavalle Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

A questão levantada pelo livro é que parte desses grupos, e depois os que passaram a significar politicamente algumas conformidades e o debate político, é de extrema direita. “Houve um processo de  hegemonização ou de condução política, que capturou uma parte dessas visões e passou a exprimi-las em registro de extrema direita, e esse registro de extrema direita tem um efeito de interação com essas próprias visões de mundo, tornando elas progressivamente cada vez mais radicais, como acontece, por exemplo, com as mídias sociais”, diz Lavalle.

 O que poderia ser, do ponto de vista da democracia, uma manifestação salutar de uma sociedade heterogênea acaba por se tornar uma manifestação tóxica de posições fortemente polarizadas e extremistas e que não vão à esfera pública para debater, mas sim para tratar o outro como inimigo, diz o professor. Em sua análise, o índice de corrosão e de desdemocratização foi iniciado depois que Bolsonaro começou seu mandato. 

Para Lavalle, pagamos um preço elevado por condenarmos e destruirmos a política e produzir na sociedade uma clivagem anti-sistema usada, mais tarde, politicamente: o candidato outsider. Uma das temáticas do livro é o que podemos chamar de contra tendências. O governo anterior foi capaz de impor grandes perdas nas políticas públicas construídas durante 30 anos, nas áreas da saúde, ambiental, entre outras.  Porém, o livro revela que há aspectos mistos: enquanto algumas instituições resistiram a esse processo, outras não. Nesse cenário, a obra propõe movimentos iniciais para tentar entender o porquê disso. 

Ganhos em meio a perdas 

Nem tudo, porém, foi crescimento da extrema direita, lembra Lavalle. Houve uma diversificação dos ativismos, que produziram contratendências. Como exemplo, ele cita o surgimento de um ativismo evangélico negro, o crescimento do debate acerca de pautas feministas, assim como sobre as questões de gênero e pautas ambientais. 

“Diversas contratendências, diversas formas de ativismo, inovaram politicamente para disputar a própria política, inclusive no plano da representação política”, explica Lavalle. Mesmo em um cenário de tendência geral de desvalorização da política e desencantamento com partidos políticos, alguns agentes, antes não envolvidos diretamente com a política, passaram a fazer parte desse universo. 

“Nesse momento, a gente viu emergir um conjunto de movimentos que decidiram participar das eleições para as prefeituras, para as câmaras de vereadores e montaram candidaturas coletivas. Essas candidaturas coletivas são uma novidade de atores populares tradicionalmente críticos do sistema político que decidiram se engajar na disputa para virarem representações políticas”, finaliza Lavalle. 


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.