Desigualdade marcou processo de alfabetização infantil durante a pandemia

Segundo Emerson de Pietri, tal constatação apenas demonstra a importância do papel da escola na nossa sociedade, uma vez que ela não pôde estar presente no período pandêmico

 06/09/2023 - Publicado há 8 meses
O novo desafio enfrentado pelos educadores é como garantir que as crianças possam se alfabetizar e continuar seu percurso escolar de forma satisfatória – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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Uma pesquisa realizada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), a pedido da Alfabetiza Brasil, mostrou que apenas quatro em cada dez alunos do segundo ano fundamental são alfabetizados. O estudo também mostrou que as taxas de alfabetização diminuíram. Em 2019, 39,7% das crianças nessa faixa etária não eram alfabetizadas e, em 2021, essa porcentagem chegou a 56,4%. 

Emerson de Pietri, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP, comenta que as principais preocupações dos educadores agora são as condições de alfabetização durante a pandemia e os efeitos para o atual momento. 

Tecnologia e desigualdade 

Segundo o professor, no processo de alfabetização infantil houve muita desigualdade em relação a quem tinha condições de aprender durante o período da pandemia, por meio  do acesso a tecnologias e do amparo em casa. “Isso demonstra, de modo muito evidente, o papel da escola na nossa sociedade. Uma vez que a escola não esteve presente e não pôde realizar o que ela tem feito historicamente no Brasil, nós vemos que as consequências são nefastas, se observarmos a quantidade de crianças que não conseguiram se alfabetizar no tempo esperado”, explica. Assim ,o novo desafio enfrentado pelos educadores é como garantir que essas crianças possam se alfabetizar e continuar seu percurso escolar de forma satisfatória. A escola pública garante, historicamente, que grandes camadas da população se alfabetizem. 

No período da pandemia, quem podia ter acesso à tecnologia conseguia manter um cotidiano escolar construído com certa regularidade. Entretanto, como aponta Pietri, isso, por si só, não garantiu que as crianças aprendessem e se alfabetizassem. “Quem pôde se alfabetizar durante o período da pandemia foram aqueles que tiveram acesso a recursos tecnológicos e que tiveram apoio de algum adulto durante o processo de aquisição da escrita.” 

Emerson de Pietri – Foto: Arquivo Pessoal

Em contato com escolas públicas que atendem às regiões menos favorecidas, percebeu-se que faltava acesso a recursos tecnológicos – o que impedia que as crianças criassem um cotidiano escolar –, e mesmo quando estes estavam presentes, muitas vezes não havia o amparo familiar necessário para o aprendizado, o que comprometeu a alfabetização. “O processo de alfabetização e de aprendizado, de maneira mais ampla, depende do processo de interação entre aquele que aprende – nesse caso, a criança – e aquele que ensina – o professor, os pais ou adultos que possam auxiliar em um determinado momento”, pontua o professor. Ainda que as tecnologias auxiliem na alfabetização, a manipulação de suportes adequados, como o papel, a caneta e o lápis, também é importante para garantir que a criança se aproxime da escrita enquanto um objeto de conhecimento. 

Avaliações sobre a alfabetização

Pietri comenta que, muitas vezes, políticas educacionais fundamentadas nos documentos de referência curricular se distanciam da necessidade de cuidar do contexto educacional. “Algumas propostas de ensino, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo, são muito mais centradas no indivíduo.” 

O que é proposto na BNCC é pautado na perspectiva de que se aprende. O currículo faz uma menção, por exemplo, ao trabalho do professor, evidenciando que o docente  é importante no processo de aprendizagem. Segundo o especialista , isso mostra o tipo de desqualificação que se observa nesse documento sobre o trabalho desses profissionais . “O professor e a professora não são vistos como alguém que ensina, mas quem talvez auxilie para que alguém aprenda, o que é uma desqualificação muito grande da própria profissão”, aponta Pietri.

O professor aponta que esse tipo de proposta de ensino reduz o processo educativo a um dos elementos que o compõe, que é o “de quem aprende”, e elimina dos investimentos em educação aqueles voltados para o contexto de aprendizagem, que garante que os professores tenham condições de ensinar e que as crianças tenham condições de aprender. Esse contexto de aprendizagem se traduz em livros à disposição para as crianças lerem e espaços adequados para que isso aconteça, por exemplo. Portanto, quando apenas um dos elementos do processo aprendizagem é reforçado, os outros contextos são deixados de lado. 

Esse tipo de política também desconsidera a enorme diversidade encontrada no País. “Diversidade no sentido de diferenças culturais muito importantes, que impactam os modos como se ensina e se aprende, estabelece significados para o que é a escrita, nos diferentes valores que se conferem às práticas de escrita em determinadas comunidades, e a desigualdade escolar, que implica nas condições daquela escola de ensinar e no acesso das crianças a elas”, destaca o professor.


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