Aumento da tensão entre China e EUA deve configurar a geopolítica dos próximos anos

Kai Enno Lehmann comenta o episódio do balão chinês localizado em território americano e admite que a relação de confiança entre as duas potências, que já não é boa, tende a piorar

 08/02/2023 - Publicado há 1 ano
China e Estados Unidos vão ser a principal rivalidade econômica e geopolítica dos próximos anos, das próximas décadas – Foto: Flickr (CC)/futureatlas.com
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No dia 4, os Estados Unidos derrubaram um grande balão chinês, que era uma aeronave civil não tripulada. Os EUA alegaram que o objeto estaria espionando a região de Montana, que tem um campo de mísseis nucleares. Já a China alega que era apenas um instrumento meteorológico que fora desviado da rota por ventos fortes.

“Não sabemos exatamente o que esse balão estava fazendo. Os chineses falam sobre um balão meteorológico, parece uma explicação meio fraca. Eu não vejo como um balão meteorológico acidentalmente errar vários mil quilômetros para coincidentemente passar sobre um Estado onde tem estações nucleares dos Estados Unidos. Tem muitos fatos ainda para serem esclarecidos, isso vai demorar, e eu tenho certeza que nós teremos, por muito tempo, duas versões diferentes“, diz o professor Kai Enno Lehmann, do Instituto de Relações Internacionais da USP. 

Situação tensa

O secretário de Estado, Antony Blinken, adiou a viagem diplomática a Pequim por conta da situação tensa criada pelas dúvidas acerca da função do balão. O professor comenta que a ocasião era justamente para dialogar sobre as questões de confiança entre os dois países: “Um dos desdobramentos mais problemáticos desse episódio é, justamente, o cancelamento dessa visita que, politicamente, é inevitável. Ela tinha o objetivo de tentar criar uma base de confiança entre os dois países. Isso agora não vai acontecer e, enquanto não acontecer, as relações entre os dois lados vão piorar”. 

Kai Enno Lehmann – Foto: Reprodução/ResearchGate

Lehmann analisa que o adiamento desse evento é o primeiro desdobramento do acontecimento recente, mas ele se soma a diversas tensões já antigas entre as duas potências: “China e Estados Unidos vão ser a principal rivalidade econômica e geopolítica dos próximos anos, das próximas décadas. As relações políticas entre os dois países vêm piorando ao longo de vários anos, não é só a questão de Taiwan, mas também manobras no Oceano Pacífico e etc. Isso é mais um episódio, mais um fato que vai ligar a pior hora dessas relações”.

A questão da guerra da Rússia contra a Ucrânia também entra na somatória de tensões sino-americanas, como explica o especialista: “A guerra ‘atrapalhou’ em muitos aspectos algo que os EUA  já estavam planejando, que era a Ásia como foco estratégico principal da política externa dos americanos. Esse incidente vai reforçar essa ideia, assim como a guerra da Ucrânia levantou muitos debates que a China poderia fazer algo semelhante com relação a Taiwan. Eu acho que o que a gente está vendo ou o que a gente vai ver daqui para frente é uma aceleração daquilo que já tinha sido planejado, o que vai, mais uma vez, aumentar as tensões entre os dois países”.

Confiança

Lehmann expõe que a espionagem é algo normal entre os países, mas a questão é como isso acontece: “Acontece sempre entre muitos países, mas não de uma forma tão evidente. É uma coisa que você faz e não é descoberto”. Entretanto, mesmo com a existência da variável espionagem, a equação das relações internacionais colocada por Lehmann leva em conta o resultado que é a confiança entre os dois lados: “Confiança é muito fácil de destruir e muito difícil de construir. Seria muito fácil a China produzir evidências que comprovassem o que ela está dizendo, porém, uma outra questão seria os Estados Unidos acreditarem nessas provas. O que está faltando entre os dois lados é confiança. Eu não tenho a menor dúvida de que os americanos vão analisar esse balão e vão apresentar o relatório ao público e a China vai dizer, imagino eu, que é tudo fabricado”.

No momento, os destroços do balão estão sendo retirados do mar e analisados pelo governo norte-americano. Segundo uma matéria da CNN, a aeronave faria parte de uma frota de um programa de vigilância militar chinês.


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