Atendimento médico em regiões de conflito e desastres implica muitos desafios

Beatriz Perondi atuou no socorro a vitimas do terremoto no Haiti e conta um pouco de sua experiência: “Os médicos e a estrutura do hospital devem se modificar o tempo todo para os atendimentos”

 19/10/2023 - Publicado há 7 meses
Ao acionar um plano de catástrofe, são definidos vários critérios para realização do atendimento às vítimas – Foto: Mário Oliveira / SEMCOM
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No dia 17 de outubro, um hospital localizado na Faixa de Gaza foi bombardeado durante a guerra entre Israel e Palestina e provocou a morte e o ferimento de pacientes e médicos. Um dia depois (18), foi comemorado o Dia do Médico no Brasil. A situação gerou muito debate acerca da importância do atendimento médico, em especial, de emergência aos feridos de guerra nas regiões de conflitos e catástrofes.

A médica Beatriz Perondi, da diretoria clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), é especialista em desastres, atuou no atendimento a vítimas do terremoto no Haiti e explicou o funcionamento e a importância do plano de desastre nos ambientes hospitalares.

Vivência dos médicos em catástrofes

Segundo Beatriz, é definida uma situação de desastre no hospital quando a capacidade do local não suporta atender a quantidade de pessoas que lá estão. Dessa forma, é necessário desencadear alguma forma de reverter a situação e socorrer o maior número de pacientes possíveis. “Requer uma organização muito grande para acionar um plano de desastre, tem que possuir uma logística. São experiências absolutamente fora da rotina do profissional, os médicos e a estrutura do hospital devem se modificar o tempo todo para fazer os atendimentos”, explica a especialista.

A médica comenta que, apesar de ser uma situação extremamente complexa, o profissional, que deve realizar o Juramento de Hipócrates na finalização da graduação, em geral, se sente gratificado por ajudar o próximo. “Não são só profissionais médicos, são profissionais de enfermagem, de administrativo e engenheiros. É muita gente trabalhando em conjunto para fazer com que esse plano dê certo”. Ela também reforça que nem sempre é possível atender 100% das vítimas nessas situações.

Critérios mediante desastre

Beatriz Perondi – Foto: Arquivo pessoal

Ao acionar um plano de catástrofe, são definidos vários critérios para realização do atendimento às vítimas, seja em hospitais de campanha, seja em campos de guerra ou em ambiente hospitalar aberto. Segundo Beatriz, a primeira coisa a ser feita é a logística, alterando a rota para chegada ao local e a estrutura interna. “Por exemplo, no Hospital das Clínicas, nós temos que esvaziar o pronto-socorro inteiro para receber as vítimas. A partir daí, toda vez que uma vítima chega no pré-hospitalar, ela é classificada de acordo com o risco. Em 10 segundos você percebe qual é a gravidade desse doente, que é deslocado para prioridade no atendimento”, comenta.

Em situações de guerra, isso se torna ainda mais necessário, na visão da médica, pois existem diferenças muito notáveis na gravidade das lesões. Como exemplo, ela cita a discrepância entre um ferimento na cabeça e outro no braço.

Realocamento de um hospital

“No acionamento de desastres, existe o abandono. Quando ocorre um dano estrutural no hospital, um incêndio ou um vazamento de gás, que irá deixar os pacientes em risco caso fiquem no local, aí você tem um plano de abandono para tirar os pacientes de lá”, explica a especialista, que ainda reforça a dificuldade para que isso se dê de maneira correta. A médica relata que existe uma ordem para a retirada dos pacientes, que se inicia com aqueles com menor gravidade e mais chance de vida, até chegar aos mais graves, que estejam em terapia intensiva, por exemplo.

Recentemente, Israel enviou um pedido para evacuação de determinada área em seu território, pois corre o risco de bombardeamento por infiltrados. Com isso, hospitais estão tendo que ser evacuados em pouco período de tempo e sem um planejamento prévio. Diante disso, Beatriz diz que, em ambientes de guerra, os hospitais deveriam ser locais preservados. “Isso é um absurdo, dificulta demais o trabalho. Você sai correndo de um hospital, mas tem para onde ir? Não adianta você sair de um lugar e ir para outro que corre o mesmo risco ou que seja tão longe que você não consegue fazer o transporte”, diz, ressaltando que existem múltiplas maneiras, contudo, é necessário muita ajuda para realizar o deslocamento.

Aprendizado pós experiências catastróficas

A médica garante que esses desastres, olhando para um lado positivo, aprimoram os serviços hospitalares: “O principal deles é o trabalho em grupo, a comunicação assertiva, para conseguir fazer as coisas de uma forma organizada. No meio do caos, a mínima organização muda completamente o cenário”. Em sua experiência no Haiti, mesmo com um hospital de campanha amplo, ela disse que se sentiu em casa durante o atendimento, pois foi muito bem organizado por um grupo de estadunidenses.

“A pandemia nos ensinou bastante, quando acabou o oxigênio no hospital, por exemplo, e foi preciso uma logística enorme para salvar o maior número de vidas possível — isso requer comunicação”, cita a especialista. Beatriz enfatiza a importância de todos os hospitais terem um plano de desastre, que garanta treinamentos de, no mínimo, duas vezes por ano, além da realização de simulados. Dessa forma, será possível o aprimoramento dos profissionais da área da saúde que atuem no ambiente hospitalar.

Situação dos médicos 

Para finalizar, a médica discorre sobre as consequências físicas e mentais que acometem os profissionais que atuam durante períodos de crise: “Burnout, cansaço físico, deixar sua família, tudo porque você precisa ficar no hospital trabalhando o tempo todo, com risco de ser contagiado ou atingido”.

Para evitar que isso atrapalhe o rendimento, é necessário um trabalho mental muito grande. Portanto, ela diz que deve existir um comitê de crise, que disponibilize psicólogos e psiquiatras, os quais irão ajudar os médicos nos momentos de dificuldade.


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