Solução do conflito entre Israel e Palestina requer um olhar para as raízes do problema

Arlene Clemesha afirma que é necessário ultrapassar as retóricas e narrativas de culpabilização

 09/10/2023 - Publicado há 7 meses
O único caminho para uma solução desse debate é a união de diferentes países para enfrentar as raízes do problema – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Wikimedia Commons
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Na manhã do último sábado (7), o Estado de Israel recebeu um ataque surpresa do grupo islâmico Hamas, que partiu da Faixa de Gaza. O conflito, que apresenta raízes históricas profundas, não contava com combates desse porte desde 1948 — com a Guerra da Independência. Recentemente, o porta-voz das forças armadas israelenses, o contra-almirante Daniel Hagari, afirmou que as tropas israelenses retomaram o controle de todas as comunidades ao redor da Faixa de Gaza. Assim, a região está sendo isolada como forma de provocar um estrangulamento do suprimento de produtos básicos. 

Ainda de acordo com o contra-almirante, os combates entre as Forças de Defesa de Israel (FDI) e o Hamas foram encerrados. Arlene Clemesha, professora de História Árabe do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e diretora do Centro de Estudos Árabes da USP, destaca que o único caminho para uma solução desse debate é a união de diferentes países para enfrentar as raízes do problema. 

Ataque surpresa 

Israel conta com um dos sistemas de defesa mais avançados de todo o mundo, assim, o ataque causou uma surpresa geral em grande parte das pessoas. Entre as diferentes explicações que foram buscadas para compreender como a investida aconteceu, é destacado o fato de o Estado de Israel não considerar a força de seu inimigo a sério. “A enorme superioridade técnica, de vigilância e de inteligência que Israel construiu desde a origem do Estado não foi capaz de prever esse ataque. A falha não foi técnica, mas, em primeiro lugar, em relação a não levar o inimigo a sério”, aponta Arlene. 

Assim, a especialista relata que o Hamas estava realizando treinamentos e operações à luz do dia perto da fronteira. Contudo, Israel não visualizou essas ações como um prelúdio de ataque, levando ao despreparo para esse ataque. Alguns indivíduos apontam também a possibilidade de o Irã estar envolvido no plano de ataque, uma vez que o país já declarou que o seu apoio à causa Palestina é inquestionável, mas o Estado já negou o envolvimento com relação a esse ataque na ONU. 

Arlene Clemesha – Foto: IEA-USP

“O Irã apoia o Hamas por meio do envio de armamentos e treinamentos, mas nega um envolvimento no planejamento do ataque, mas esse fator é irrelevante para o cenário como um todo, uma vez que os militantes são palestinos e o treinamento, em última instância, é local”, aponta a professora. Outro fator que tem sido apontado por especialistas nesse sentido é o fato de o atual governo de extrema-direita israelense, que vem defendendo qualquer tipo de repressão contra os palestinos e o desmonte dos sistemas Judiciário e educacional, estar apresentando efeitos negativos em diferentes setores do país. 

Dessa forma, há uma série de protestos que estão acontecendo contra a reforma do Judiciário que acabaram afetando a unidade dentro das próprias forças de segurança de Israel. “Há um racha na sociedade israelense que se opõe a esse governo, com uma divisão dentro das instituições. Então, esse ataque vem em um momento de cisão da sociedade e de enfraquecimento da capacidade de defesa”, adiciona. 

Além disso, Arlene destaca que é importante lembrar que as forças armadas israelenses se encontram nesse local, em primeiro lugar, como uma forma de controle dos palestinos e de expansão dos territórios israelenses, assim, é necessário avaliar bem a questão para pensar em soluções verdadeiramente eficazes. 

Sociedade palestina 

Olhar para as causas do problema e não para as suas expressões parece ser, portanto, um dos poucos caminhos para a solução dessas questões. Constantemente, comparações entre o Hamas e o exército israelense durante a repressão e ocupação dos territórios palestinos são realizadas, contudo, a especialista avalia que esse é um debate que parece andar em círculos, sendo complicado culpar os diferentes atores que se apresentam como expressões do problema e essencial pensar em reivindicações que possam defender os direitos humanos de todos os que vivem nessa região. 

“Israel mantém a ocupação militar sobre os territórios palestinos da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental e das Colinas de Golã desde 1967. A Faixa de Gaza se encontra hoje cercada por todos os lados e o palestino não pode entrar nem sair”, avalia a professora. Além disso, é importante também que diferentes nações ao redor do mundo estejam envolvidas nesse processo, já que a questão da Palestina se tornou uma questão global desde 1947, com a decisão da ONU de criar um Estado judeu que não apresentava o objetivo de ser plural — causando a expulsão de milhares de palestinos de seu território.

Desencadeamentos 

Outro aspecto que vem gerando comoção neste debate é a possibilidade de envolvimento de outros países do Oriente Médio nesse conflito, já que o Hezbollah, organização política e paramilitar libanesa, soltou alguns foguetes em territórios libaneses que são ocupados por Israel como forma de solidariedade ao Hamas

Os Estados Unidos também anunciaram que irão deslocar navios de guerra para as proximidades da Faixa de Gaza como sinal de apoio à Israel em seu “direito de defesa”. Apesar disso, Arlene destaca que nenhum desses países avalia o direito de defesa dos palestinos, fator que marca uma das incongruências que envolvem todo esse debate. 

O Hamas declarou também estar preparado para uma guerra de longa duração, com não menos que seis meses, e não é esperado que potências regionais se envolvam diretamente no conflito. Israel também assumiu que será realizado um cerco absoluto na Faixa de Gaza como forma de estrangular a população por meio da ausência de recursos.


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