Acesso a dados cadastrais bancários, para investigações, esbarra na questão da privacidade

Gustavo Badaró defende a existência de decisões judiciais para acesso a esses dados ao comentar medida que prevê a obrigação de bancos de fornecê-los para investigações cíveis e criminais

 24/05/2023 - Publicado há 11 meses
A ideia é que, hoje em dia, nenhum dado nosso é irrelevante ou insignificante – Foto: macrovector/Freepik
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Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) avalia se o Ministério Público pode obrigar bancos a fornecer dados de clientes para investigações cíveis e criminais. Os dados em questão são cadastrais, como nome completo, endereço, telefone, RG e número da conta e não envolvem informações de movimentação financeira dos clientes. A medida foi pleiteada pelo Ministério Público de Goiás por meio de ação civil pública autorizada por instâncias ordinárias. 

Gustavo Badaró – Foto: Reprodução/FD-USP

Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da USP, explica quais pontos estão exigindo mais atenção desse julgamento: “Há certas situações em que alguns dados podem ser compartilhados diretamente sem ordem judicial. A discussão neste caso é até onde ou qual a natureza desses dados a serem comunicados; por exemplo, o Ministério Público pode requisitar dados que digam respeito exclusivamente à qualificação da pessoa sem autorização judicial: nome, filiação e onde essa pessoa mora, por exemplo. A questão é: quanto mais eu vou aprofundando nesses dados, eu vou me aproximando de elementos que digam respeito à privacidade ou à intimidade das pessoas. É isso que está em discussão”.

Existem limites na atuação do Ministério Público frente a dados pessoais: “Não está em discussão o conteúdo das movimentações financeiras, mas, mesmo assim, eu tenho dados que são relevantes. O próprio e-mail de cada uma das pessoas não está previsto, por exemplo, no Marco Civil da Internet como algo que o Ministério Público possa obter sem autorização judicial e na qualificação bancária, e hoje, nos cadastros, muitas vezes, eu tenho, inclusive, os que são considerados dados sensíveis de uma pessoa”, diz Badaró. 

Direito à proteção de dados pessoais

Para Badaró, os dados pessoais hoje têm múltiplas importâncias e usos. No entanto, o especialista alerta para a existência de uma lei que protege esses dados: “Antigamente, a preocupação dizia respeito muito mais ao sigilo bancário, ao conteúdo apenas das movimentações entre as pessoas, mas agora, com a Lei Geral de Proteção de Dados, e depois com a própria mudança da Constituição, se reconhece o direito à proteção de dados. A ideia é que, hoje em dia, nenhum dado nosso é irrelevante ou insignificante. Com a utilização da tecnologia é possível compartilhar dados de pessoas aparentemente sem importância e criar perfis dessa pessoa, definir escolhas dessa pessoa, gostos”. 

A problemática, para além da questão legal, volta a ser a possível violação de privacidade: “Os bancos dispõem de dados de cadastro das pessoas, só que esses dados são protegidos por lei e a questão é: a partir do momento em que eu tenho um direito fundamental à proteção de dados e não há um juiz analisando a relevância daquela situação [de compartilhamento de dados] com o Ministério Público ou a Polícia, esse direito meu está ou não sendo violado?”, questiona o professor, e conclui: “Me parece correta a posição que esse acesso deve ser não diretamente do Ministério Público, mas intermediado por uma decisão judicial”. 

Repercussão

Esses temas, apesar de levantados pelo Ministério Público de Goiás, são repercutidos de forma geral. Badaró explica o porquê: “A necessidade de repercussão geral dos temas é uma exigência para o conhecimento dos recursos extraordinários pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, quando o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça decidem determinadas questões, alguns recursos são considerados recursos modelos e essas decisões vão servir para todos os casos que tratam da mesma questão jurídica. Nesses casos, isso irá afetar todos os outros casos que tratem dessa questão. Então, por exemplo, se o Superior Tribunal de Justiça decidir que é possível a transferência dessas informações, ainda que seja nesse caso, isso vai valer ou vai ser aplicado para todos os casos em que Ministérios Públicos de todo o Brasil e Ministério Público Federal tenham requisitado esses tipos de informações”.


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