Pesquisadoras reescrevem sentença e revelam omissão do sistema de justiça em feminicídio na Paraíba

A reescrita, sob o ponto de vista jurídico/feminista, foi da sentença de pronúncia do processo que apurou a morte de Vivianny Crisley Viana Salvino, em 21 de outubro de 2016, em Santa Rita

 18/05/2023 - Publicado há 1 ano
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Série que nasceu do projeto Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas traz a reescrita de algumas decisões judiciais a partir de olhar feminista – Imagem: Freepik
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Neste episódio da Série Mulheres e Justiça, a professora Fabiana Severi recebe Caroline Sátiro de Holanda, professora do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba, para contar os resultados da reescrita, sob o ponto de vista jurídico/feminista, da sentença de pronúncia do processo que apurou a morte de Vivianny Crisley Viana Salvino, em 21 de outubro de 2016, em Santa Rita, no Estado da Paraíba.

Sobre a escolha desse caso para ser reescrito, Caroline conta que o assassinato teve muita repercussão em razão da crueldade. Vivianny foi assassinada por três homens, com golpes de chave de fenda no rosto e na cabeça, e depois de morta teve seu corpo queimado enrolado em pneus. O que chamou a atenção nesse caso, diz Caroline, foi a gravidade da omissão, pois nem a Polícia Civil, nem o Ministério Público, nem mesmo a magistrada do caso trabalharam na perspectiva de reconhecê-lo como feminicídio, mesmo já estando em vigência a lei de feminicídio. “Isso culminou com a mobilização dos movimentos feministas reivindicando expressamente pelo reconhecimento dessa qualificadora.”

Na reescrita da sentença de pronúncia do processo penal, que apurou o feminicídio de Vivianny, as pesquisadoras incluíram  justamente a qualificadora do feminicídio pela redação atual do Artigo 121 do Código Penal. “Existem duas hipóteses legais para configuração do feminicídio: A primeira quando envolve violência doméstica e familiar, que não foi o caso; e a segunda quando o crime é o menosprezo ou discriminação à condição de mulher, que é justamente a situação do assassinato de Vivianny. Por isso, é uma reescrita totalmente feminista, pois supriu uma omissão anterior, já que, na sentença de pronúncia original, passou batido a questão do feminicídio.”

Especificidades

Caroline Sátiro de Holanda – Foto: Academia edu

Caroline diz que a reescrita também utilizou ferramentas, fundamentos feministas e trabalhou com as especificidades que permeiam as relações sociais entre os gêneros. Essas relações, diz a pesquisadora, criam e ao mesmo tempo legitimam as desigualdades entre homens e mulheres e a violência é uma das maneiras utilizadas para legitimar e até naturalizar essas relações entre os gêneros. “Em sociedades como a nossa, marcada pela misoginia, a morte de mulheres deixa de ser caso isolado e passa a ser a marca de uma situação estrutural, de um fenômeno sociocultural enraizado.”

Sobre os principais resultados do trabalho de reescrita, Caroline destaca dois aspectos importantes: O primeiro é chamar atenção para a responsabilidade do Sistema de Justiça no combate e na prevenção à violência contra as mulheres. “Nesse caso, em nenhuma das fases de apuração do assassinato apareceu a questão do feminicídio. Em todo o inquérito policial não houve menção ao feminicídio, nem no âmbito da denúncia, nem no âmbito da sentença de pronúncia. Ao incluir o feminicídio no âmbito da sentença de pronúncia chamamos a atenção para essa omissão pelo sistema de justiça e para a atuação do Poder Judiciário da Paraíba em si, que poderia ter suprido essa omissão e as falhas anteriores e não o fez.”

Qualificadora objetiva

Outro aspecto importante importante nos resultados da reescrita, afirma Caroline, é a própria discussão e compreensão do que é o feminicídio.  E aí, nesse caso mais específico, a compreensão do feminicídio enquanto uma qualificadora objetiva e não subjetiva. “O feminicídio é uma qualificadora objetiva, porque é reflexo de uma organização social machista e misógina, o que é perfeitamente constatado de forma objetiva pelas próprias condições em que o crime foi praticado. No caso do assassinato de Vivianny Crisley, o feminicídio é perceptível pela própria crueldade do crime.”

Além da professora Carolina, o trabalho de reescrita Morreu por que gritou: reescrevendo a sentença de pronúncia do feminicídio de Vivianny Crisley Viana Salvino teve a participação da professora Tatyane Guimarães Oliveira e das estudantes Gabriella Mendes Bezerra Neves, Larissa Bezerra de Souza Duarte e Maria Fernanda Amorim Hiroki, todas da UFPB. O trabalho é parte do projeto de pesquisa interinstitucional Julgamentos em perspectiva crítica feminista: reescrevendo decisões judiciais do Nordeste brasileiro, que envolveu a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), do Semi-árido (Ufersa) e o Instituto Federal da Paraíba (IFPB), com o objetivo de analisar como as teorias críticas feministas do Direito podem contribuir para a construção de novas perspectivas teóricas e metodológicas para a construção das decisões judiciais no Brasil, reescrevendo-as em perspectiva feminista. Esse projeto deu origem a três grupos de trabalho, cada um com, no mínimo, uma professora-orientadora e discentes de graduação em Direito das universidades e do instituto envolvido. Além do caso de Vivianny, o grupo reescreveu outros dois casos: O despejo na Ocupação Mulheres Guerreiras e O assassinato de Margarida Maria Alves


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