“A partir de 2017, o Brasil não teve nenhum ano, fora 2020, sem ataques às escolas”

Daniel Cara explica esse fenômeno e comenta a respeito das formas de preveni-lo

 22/01/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 06/02/2024 as 11:20
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As tantas ocorrências seguidas sendo noticiadas em pouco tempo abriram espaço para a percepção de que a violência nas escolas aumentou – Fotos: Freepik/Agencia Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Em 2023, ocorreram 11 ataques a escolas no Brasil. O problema tem origens muito antigas, mas começou a se agravar recentemente. “Eles estão se tornando mais frequentes no Brasil, especialmente a partir de 2017. A partir de 2017, o Brasil não teve nenhum ano, fora 2020, que foi o ano da pandemia, sem ataques às escolas“, explica Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP.

Os fatores são diversos, mas muito relacionados com as redes sociais e com o discurso de ódio. O professor explica que antes a articulação era feita por comunidades irrestritas, como as da deep web, mas hoje elas são bem melhor articuladas e estão presentes nas maiores redes: desde o Discord até o WhatsApp.

“O Brasil vive, desde 2017, sob a permissividade do ódio. O discurso de ódio é altamente expansivo: quando ele ocorre, independentemente do tema e do motivo, ele acaba mobilizando outros discursos de ódio”, acrescenta Cara.

Fatores

Esses tipos de discurso têm temas variados, mas, quando relacionados aos ataques às escolas no Brasil, têm características específicas.

Daniel Tojeira Cara – Foto: Reprodução/Twitter

“O fator brasileiro é que esses ataques se mobilizam fortemente pela misoginia, pelo racismo e pela LGBTQIA+fobia”, comenta o professor.

No geral, o fenômeno, que é um problema mundial, é pautado por uma violência extrema e se relaciona ao conceito de extremismo. “É uma ideologia e um modo de vida pautado na exclusão do outro, na aniquilação do outro; é tudo aquilo que fica fora do supremacismo branco.”

Além de muito vinculados a uma ideia da misoginia, que é o ódio às mulheres, do racismo, que é o ódio e desrespeito às pessoas não brancas, e a um tratamento preconceituoso em relação também à comunidade LGBTQIA+, há outras características, como uma postura antiestado, antiorganização social, antipolítica.

Mas o que pode ser feito ou deve ser melhorado para prevenir esses ataques?

Atitudes

Para Cara, a primeira atitude para prevenir esses ataques é o controle social sobre as plataformas digitais: “Uma plataforma digital, um Instagram, Twitter consegue identificar a minha preferência de consumo. Por exemplo, eu sou corinthiano, compro camisa do Corinthians. E aí, é só entrar no celular que começa a aparecer um monte de produto do Corinthians. Eu sou tentado a comprar porque eu sou apaixonado pelo meu time. Não é possível que ela não consiga identificar os discursos de ódio, até porque tem palavras-chave e tem comportamentos. Com um pouquinho de esforço e boa vontade, as plataformas poderiam proibir demais a estruturação de comunidades de ódio, que são as mobilizadoras e as articuladoras dos ataques. Nenhum ataque no Brasil deixou de ser articulado pela internet, todos foram articulados pela internet“, pontua o professor.

Além disso, do ponto de vista estatal, para o professor, atualizar as leis que tratam do tema, implementar o Projeto da Luiza Erundina, que democratiza a gestão escolar e realmente democratizá-la são pontos fundamentais para a prevenção desses ataques. “A lei de Crime de Ódio de 1989 precisa ser atualizada, até porque existem outras modalidades de crime de ódio e outras simbologias. É preciso regulamentar o Sistema Nacional de Combate à Violência às Escolas. Uma descoberta importantíssima: o que evita o ataque? Gestão democrática nas escolas. Uma escola que tem a capacidade de resolver pacificamente os conflitos. Pode acontecer um ataque de um membro exógeno da escola? Pode, mas isso é raro dentro do fenômeno”, complementa Cara.

A presença de psicólogos e assistentes sociais dentro das escolas e o controle de armas de fogo também entram nesse grupo de atitudes. “É preciso urgentemente que o País tenha a compreensão de que é necessário criar inteligência sobre o extremismo para prevenir o extremismo, para combater o extremismo”, ressalta o professor.

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo


Boletim USP e Educação

Produção: Produção - Cinderela Caldeira, Tulio Gonzaga, Julia Estanislau
Edição: Rádio USP
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