Pesquisa investiga ativismo de jovens nas direitas radicais do Brasil e da Alemanha

A psicóloga Beatriz Besen analisa a complexa paisagem de identidades políticas entre jovens brasileiros e alemães, destacando ambiguidades nos discursos conservadores

 Publicado: 08/04/2024

Texto: Denis Pacheco

Arte: Simone Gomes

Na Alemanha, o crescimento dos ideais de direita teve como marco recente o bom desempenho no ano passado nas eleições regionais do Alternativa para a Alemanha (AfD). O partido tem entre suas pautas a defesa de uma identidade cultural e étnica europeia que estaria sob ameaça do multiculturalismo e islamismo, e o ataque às políticas de equidade de gênero. No Brasil, um dos capítulos mais recentes foi a invasão do Congresso, STF e Planato em 8 de janeiro de 2023, contestando a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, ao mesmo tempo em que buscava se legitimar sob o slogan Supremo é o Povo - Arte sobre fotos / Freepik

Ser contra o aborto, mas também contra a pena de morte. Defender o porte de armas para todos, mas ao mesmo tempo pregar contra a violência policial. Estas e outras ambiguidades foram identificadas nos discursos de jovens brasileiros e alemães em um estudo que analisou o ativismo de jovens nas direitas radicais do Brasil e da Alemanha.

Em doutorado defendido na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, com orientação da professora Soraia Ansara, a psicóloga Beatriz Besen, que fez parte do doutorado nas Universidades Goethe de Frankfurt e Humboldt de Berlim, revelou uma paisagem complexa de identidades políticas. Sua pesquisa, conduzida ao longo de quatro anos, lançou luz sobre as trajetórias e discursos de jovens, indicando que a diversidade de percursos e identidades políticas entre os jovens “desafia noções simplistas e estereotipadas”, sumariza a autora.

Ao analisar o ativismo da juventude nos movimentos de direita radical como um fenômeno que desafia e, ao mesmo tempo, sinaliza transformações democráticas no século 21, a psicóloga identificou a participação como um caso de “participação liminar”. Essa liminaridade, conforme descrita no trabalho, refere-se a uma experiência política que combina práticas reconhecidas como democráticas com agendas e estratégias não reconhecidas como tais.

Descrevendo as biografias de 12 jovens envolvidos nesses movimentos, o estudo expôs uma combinação de práticas de participação formal e reivindicações não reconhecidas, marcadas por ataques aos direitos de minorias e à legitimidade do Estado.

Beatriz Besen – Foto: Researchgate

Reconstruindo biografias

A princípio, a metodologia da pesquisa surgiu a partir de experiência anterior da autora como analista de projetos, trabalhando com a juventude em São Paulo. “Sempre tive em mente entrevistar jovens porque eu estava interessada em suas identidades políticas e sempre trabalhei com observação participante”. A observação participante é uma técnica de pesquisa utilizada em diversas áreas, como sociologia, antropologia, psicologia e educação. Nesse método, o cientista participa ativamente do ambiente que está sendo estudado, inserindo-se na comunidade em questão e observando os eventos que ocorrem naturalmente.

“No entanto, a pandemia alterou os meus planos. A observação participante não era viável, mas, ao mesmo tempo, a pandemia reforçou a importância do ativismo online”, esclarece ela ao pontuar dois eixos que nortearam sua metodologia. Um terceiro aspecto do trabalho envolveu a chamada técnica de “reconstrução biográfica”. “As reconstruções biográficas são um método da sociologia interpretativa alemã. Ele foi importante para visualizar como os jovens construíam suas trajetórias de engajamento e qual era o processo envolvido”.

A partir da combinação desses diferentes métodos, o trabalho se configurou em um processo de identificação e de entrevistas com jovens ativistas brasileiros e alemães O mote central era destacar suas motivações, trajetórias políticas e visões sobre conservadorismo, liberdade e influências ideológicas. De acordo com Besen, os entrevistados expressaram uma variedade de perspectivas políticas, desde o conservadorismo como estilo de vida até críticas ao feminismo e movimentos LGBTQI+.

“Eu considero que há dimensões interessantes que emergiram pela análise dos discursos e trajetórias dos ativistas, especialmente no que diz respeito às suas percepções sobre situações de injustiça. É o que chamo de lacunas da resistência, ou seja, formulações que revelam que esses jovens percebem e denunciam as relações de poder e opressão ao seu redor, mesmo se identificando com agendas conservadoras”, esclarece ela.

O estudo também analisou as agendas políticas particulares aos países, como é o caso da luta anti-imigração na Alemanha e da defesa do armamento civil no Brasil. Além disso, abordou como a religião tem influências diferentes nas agendas e trajetórias de ativismo no Brasil e na Alemanha.

Ativismo dentro e fora das redes

A partir disso, o trabalho reconheceu o papel crucial das redes sociais no ativismo político dos jovens, especialmente no contexto brasileiro. Na tese, Beatriz Besen descreve a forma como as redes sociais têm sido usadas como ferramenta para construir identidades políticas complexas e para organizar movimentos de direita. No entanto, ela ressalta que sua pesquisa optou por não se concentrar exclusivamente nas redes sociais, buscando uma compreensão mais profunda das trajetórias e dos discursos dos jovens.

“A maioria dos entrevistados não se limita apenas ao ativismo digital. Essa é uma dimensão que eu estava particularmente interessada em explorar – que eles não fossem exclusivamente ativistas digitais. A maioria deles combina atividades presenciais, ou já teve experiência em movimentos sociais e continua ativa atualmente”, esclarece.

No que se refere ao ativismo on-line, a pesquisadora confirma que, atualmente, as redes permanecem como parte intrínseca da juventude e desempenham um papel crucial quando o assunto é engajamento em ambos os países. Apesar disso, o perfil dos brasileiros das redes se diferenciou do perfil dos europeus. “No contexto brasileiro, há um notável crescimento no conteúdo editorial como base para o ativismo on-line. Eles fazem uso das redes sociais, mas também se esforçam para mostrar que estão fundamentados em referências literárias e acadêmicas, o que é menos evidente na Alemanha”.

Conforme a pesquisadora, no Brasil, engajamento político e formação universitária estão associados. Já no caso alemão, “o que observei é que as carreiras deles não tinham conexão com a participação política. Muitos deles cursavam faculdade ou um curso técnico, mas esses cursos não estavam necessariamente ligados às atividades políticas. No Brasil, a participação em atividades políticas e no ativismo também influenciava a escolha de carreira desses jovens. Muitos deles optavam por cursar Direito por exemplo, enquanto outros entravam em certas áreas baseando essa escolha em sua atividade política”, detalha ela.

Por isso, na opinião da especialista, observar o comportamento dos ativistas nas redes é “de extrema importância, especialmente na formação de bolhas de informação independentes, algo que, quando se trata de desinformação, é ainda mais prejudicial”. De acordo com ela, “quando você está imerso nesse ambiente, suas crenças são reforçadas e isso pode levar à radicalização”.

No entanto, quando o assunto é conservadorismo, Beatriz Besen alerta para a importância de uma abordagem qualitativa para compreendermos as complexidades do engajamento político juvenil, destacando a necessidade de escutar atentamente as vozes dos jovens: “A interpretação dos jovens, que vem sendo predominantemente feita por meio da análise de redes, carece de pesquisas mais abrangentes e biográficas”, conclui.

O trabalho está disponível neste link.

Mais informações: e-mail biabesen@gmail.com, com Beatriz Besen


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