Universo das Emissoras Públicas: Comunicação pública sofre historicamente com a falta de financiamento no Brasil

Países europeus e os Estados Unidos têm políticas sólidas de apoio a emissoras públicas

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 03/01/2024 - Publicado há 4 meses
Universo das Emissoras Públicas - USP
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Universo das Emissoras Públicas: Comunicação pública sofre historicamente com a falta de financiamento no Brasil
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O programa Universo das Emissoras Públicas dedicou esta edição para analisar o anúncio de expansão da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP). A rede foi constituída em 2010 e é formada por emissoras públicas de rádios e de televisão em várias regiões do País. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC), estatal vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), é responsável pela gestão da RNCP. 

O convidado desta edição é o pesquisador Marcelo Kischinhevsky, membro do Conselho Geral da Rede de Rádios Universitárias do Brasil (Rubra), professor da Escola de Comunicação (ECO) e diretor do Núcleo de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Kischinhevsky dá aulas nos cursos de Jornalismo, Rádio e TV, e no programa de pós-graduação da UFRJ. Ele lidera o Grupo de Pesquisa Mediações e Interações Radiofônicas. 

Kischinhevsky afirmou que a expansão da RNCP marca “a retomada de um projeto de comunicação pública que remonta à criação da Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, em 2008, e que ficou estacionado durante esses anos de muitos retrocessos”. Para o professor, o Brasil precisa fortalecer as emissoras que praticam comunicação pública no País. Uma questão fundamental a ser enfrentada é a do financiamento. 

“A comunicação pública sofre com a falta de financiamento de forma histórica no Brasil”, afirmou o professor da UFRJ. Diferentemente do caso brasileiro, vários países democráticos garantem recursos para manter sistemas de emissoras públicas. Países europeus, os Estados Unidos e várias nações industrializadas e desenvolvidas “têm políticas muito sólidas de comunicação pública e, no Brasil, a gente não tem essa tradição”, completou. 

Durante a entrevista, o professor da UFRJ comentou os momentos difíceis que a comunicação pública atravessou nos últimos anos quando foi confundida com a comunicação estatal. Para Kischinhevsky, a Constituição Federal de 1988 deixou um problema porque não fez distinção entre os sistemas público e estatal para o serviço de radiodifusão no Brasil. 

O artigo 223 da Constituição Federal instituiu o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal para a radiodifusão sonora e de sons e imagens. No entanto, a regulamentação do texto nunca foi feita. 

Kischinhevsky acredita que o Estado precisa de meios próprios de comunicação estatal para que as pessoas tenham acesso a campanhas de utilidade pública e para que recebam informações importantes em situações de emergência. 

A comunicação pública, por sua vez, afirma o pesquisador, tem que trabalhar “em outra lógica de construção de uma agenda pública de debate, de discussão de grandes temas da atualidade, de contextualização, aprofundando [os debates] em relação ao que a mídia comercial e ao que a própria mídia estatal não vão ter condições de fazer no dia a dia”.  

Na avaliação do professor, “existe uma clara complementaridade entre os três formatos de comunicação previstos na Constituição e é importante que a gente caminhe em algum momento no curto e no médio prazo para a regulamentação efetiva dessa distinção”.

A UFRJ está entre as universidades federais que assinaram acordos de parceria com a EBC para a expansão da RNCP. Com isso, a instituição vai receber um canal de televisão aberta. Kischinhevsky afirma que existe um entendimento novo para tentar superar o formato em que a TV Brasil e a Rádio Nacional atuam como cabeças de rede que transmitem conteúdo para todo o País com pouca programação local. Ele conta que há uma nova mentalidade de fortalecer o intercâmbio de conteúdo entre as instituições de ensino e as emissoras que integram a RNCP. 

O intercâmbio de conteúdos, defende o pesquisador, “é muito importante para a gente ter outras vozes, ter uma pluralidade, uma representatividade do conteúdo audiovisual apresentada à população de modo geral e que possa circular não só em nível local, mas também em nível nacional”.

Kischinhevsky disse esperar que, com o fortalecimento da comunicação pública no Brasil, as universidades possam contribuir com o processo de produção de conteúdos para “fazer divulgação científica na prática, aprender a comunicar ciência e a [se] comunicar de forma mais clara e efetiva com a população em geral”. 

O professor lembrou ainda que, nos últimos anos, o discurso da extrema-direita global instigou pessoas a desconfiar da ciência, das universidades, da vacinação e de saberes estabelecidos com um claro patrocínio de plataformas digitais. 

“A gente precisa realmente recuperar esse papel da universidade, esse papel da comunicação pública, que foi abalado por anos de ataques, de negacionismo, de desinformação e de informação de qualidade duvidosa. E a gente está trabalhando nesse sentido. Nós, na Rádio UFRJ, vocês, na Rádio USP, e muitas outras parceiras Brasil afora estamos juntos nessa luta.”

Também foi tema da entrevista o conceito de rádio expandido: a proposta de que o rádio atualmente transborda das ondas hertzianas para outras plataformas e dispositivos em diversas temporalidades. O pesquisador ainda comentou a experiência de emissoras públicas na inovação de formatos e linguagens. 

Sugestão de leitura complementar sobre o tema: 

Rádios universitárias e o necessário enfrentamento ao negacionismo, de Marcelo Kischinhevsky, Debora Cristina Lopez, Lena Benzecry. Radiofonias: Revista de Estudos em Mídia Sonora, 2021. 

Rádio UFRJ, transmitida ao vivo pela internet. A página tem conteúdos em formato de podcast. 

Rádio e Mídias Sociais: mediações e interações radiofônicas em plataformas digitais de comunicação, livro de Marcelo Kischinhevsky, Editora Mauad X, 2016. 


Universo das Emissoras Públicas

O Universo das Emissoras Públicas vai ao ar quinzenalmente às sextas-feiras, às 17h, pela Rádio USP FM 93,7Mhz (São Paulo) e Rádio USP FM 107,9 (Ribeirão Preto). As edições do programa estão disponibilizadas nos podcasts do Jornal da USP (jornal.usp.br) e nos agregadores de áudio como Spotify, iTunes e Deezer.

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