Conflito entre Israel e Palestina é encenado no Teatro da USP

Em cartaz a partir desta sexta-feira, dia 6, peça “Jerusalém de Nós” defende a escuta do diferente e do outro, em oposição ao antagonismo

 05/10/2023 - Publicado há 7 meses
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As atrizes Victória Camargo e Elis Braz na peça Jerusalém de Nós – Foto: Reprodução/Tusp

Em 1997, homens-bomba do grupo palestino Hamas cometeram um ataque suicida na Rua Ben Yehuda, em Jerusalém. Cinco pessoas foram mortas no atentado, entre elas a jovem israelense de 13 anos Smadar Elhanan. O artigo que sua mãe publicou no jornal francês Le Monde criticando a política do Estado de Israel mesmo após a perda da filha inspirou o dramaturgo paulistano Leo Lama a escrever a peça Jerusalém de Nós, que entra em cartaz no Teatro da USP (Tusp) nesta sexta-feira, dia 6.

O dramaturgo Leo Lama – Foto: Arquivo pessoal

“Ela defende o lado dos palestinos e eu achei isso de um altruísmo incomparável e uma coragem ímpar”, lembra o dramaturgo, que idealizou a peça em 1997. O objetivo inicial era encenar o texto com atrizes de descendência judaica, mas foi frustrado pela latência do conflito. “É uma ferida grande e muitas famílias não querem considerar a possibilidade de conversar sobre esse assunto”, lamenta Lama.

As atrizes Victória Camargo e Elis Braz foram selecionadas, então. A quarta peça do diretor se passa em uma repartição pública, na qual uma professora desorientada, papel de Victória, entra à procura da filha, que desapareceu após um atentado. A única interlocutora da personagem é uma recepcionista que trabalha no local, vivida por Elis.

A obra segue a técnica “atuante em repouso”, pesquisada por Lama. De acordo com o método, a dramaturgia se move, mas as atrizes não estão em movimento o tempo todo na peça, que possui apenas quatro gestos. Para Lama, as posições estáticas criam “um símbolo de paralisia espiritual que causa incômodo” e obriga os espectadores a viverem ”a peça por dentro”.

O diretor descreve a prática como contrária ao fenômeno da “netflixzação”, que estimula uma posição passiva do espectador diante de um espetáculo. Jerusalém de Nós é uma jornada interior que convida o público a sair do comodismo e imaginar as ações e os objetos, já que o cenário é composto apenas por uma cadeira e há pouco deslocamento.

Dentro da interlocução imóvel entre professora e recepcionista, há uma constante troca de identidades. “Você não sabe quem é palestino e quem é judeu. Eu fiz um jogo de você se confundir com seus inimigos”, explica Lama. “Você se confunde com aquilo que jura ser o seu maior inimigo, porque nele estão todas as respostas para você”, diz.

Os antagonismos encenados são uma característica humana, na opinião do dramaturgo. “Enquanto a gente vive de antagonismos, a gente não se relaciona porque eu estou sempre contra você”, critica Lama, para quem o conflito encenado reflete aspectos da sociedade brasileira.

“O ódio é uma ligação com aquilo que você odeia”, afirma Lama, ao relembrar discursos extremistas nas redes sociais durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Podemos dizer que deu uma acalmada no País e que as coisas melhoraram, mas o Brasil é sempre uma bomba a explodir”, declara.

Em oposição ao antagonismo, a peça defende a escuta do diferente e do outro. “De que adianta ter um lugar de fala quando ninguém escuta?”, provoca Lama. A obra busca também resgatar o “espiritual”, definido como “algo que está completamente afastado das religiões” pelo diretor.

O dramaturgo acredita que atualmente não é mais possível acessar a espiritualidade através das religiões, porque elas se tornaram “poços de moralismo, oportunismo e controle”. Lama pensa que aprender a ter uma relação com Deus sem ser mediada pelas religiões é a maior crise enfrentada pela humanidade hoje. Segundo o dramaturgo, a falta de espiritualidade afeta inclusive as eleições brasileiras. “A gente não tem mais imaginação para pensar em novos candidatos, é sempre a mesma coisa e a espiritualidade é uma eterna renovação.”

“Estamos dominados pelo mercantilismo e pela manipulação, o mundo perdeu o encantamento. O total desconhecimento da espiritualidade leva a associá-la a crendices, mas ela é um conhecimento, só é difícil achar quem possa nos ensinar hoje.”

A religião tem papel central na guerra israelo-palestina, com a disputa de Jerusalém por cristãos, muçulmanos e judeus. Essa e as diferentes camadas do conflito estão ilustradas no título Jerusalém de Nós. Lama explica: “Dentro do nome, têm a Jerusalém que é nossa, a que está além de nós e a que está nos nós de amarra”.

O trocadilho representa as complexidades de motivos e desdobramentos da disputa como um nó, em que não se entende onde começam e terminam os fios. Além disso, a metáfora envolve toda a humanidade no conflito, o que acontece também na encenação, que trata do ódio e da intolerância como problemas universais.

A peça Jerusalém de Nós fica em cartaz de 6 de outubro a 5 de novembro no Teatro da USP (R. Maria Antonia, 294, Vila Buarque, em São Paulo). As apresentações ocorrem às sextas e aos sábados, às 21 horas, e aos domingos, às 18 horas. Classificação indicativa: 14 anos. 75 minutos. Os ingressos podem ser adquiridos virtualmente ou na bilheteria do Tusp uma hora antes da sessão. Mais informações no site do Tusp.

Capa da obra de Leo Lama – Foto: É Realizações Editora

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