Ascensão do rap nos anos 90 mostrou contrastes na música popular brasileira

Com fortes elementos de raça e classe, grupos como Racionais MC’s e Sampa Crew foram expoentes do gênero surgido nas festas e bailes black de São Paulo

 20/01/2021 - Publicado há 3 anos
Fotomontagem Jornal da USP com capas de revista e jornal mencionados na dissertação de mestrado da socióloga Paula Costa Nunes de Carvalho

Pesquisa da socióloga Paula Costa Nunes de Carvalho traz uma análise da cena de rap na cidade de São Paulo entre os anos de 1987 e 1998 e mostra a inserção desse gênero na indústria musical brasileira. O estudo, realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, resultou na dissertação de mestrado A encruzilhada do rap: produção de rap em São Paulo entre 1987 e 1998 e seus projetos de viabilidade artística, defendida em fevereiro de 2020. De acordo com a socióloga, a pesquisa levanta questões importantes sobre a exposição do rap na indústria musical brasileira, que o trata como “fenômeno” sem considerar as questões sociais, de raça e classe envolvidas.

Paula Costa Nunes de Carvalho – Foto: Arquivo pessoal

Paula catalogou mais de 180 discos de rap em sebos, catálogos on-line, revistas, jornais, acervos, levantando também gravadoras e vendagem dos álbuns. “Fiz entrevistas com atores específicos que me ajudaram a entender pontos de vista hoje em dia menos conhecidos do cenário daquela época. Por exemplo, até mais da metade dos anos 1990, o Sampa Crew era considerado uma banda de rap, que havia surgido nos bailes black entre concursos de rap assim como tantos outros grupos”, explica.

Nos anos 1980, o rap ganhou força nos bailes black, onde aconteciam concursos que premiavam os artistas vencedores com participação em coletâneas de rap. Desse cenário, despontam dois grupos hegemônicos na cena paulista: Racionais MC’s e Sampa Crew, que trilham caminhos quase opostos. O primeiro era ligado a uma postura mais intelectualizada, de contestação e confronto, enquanto o segundo a uma sonoridade mais comercial, com temas românticos e acesso às grandes gravadoras.

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“A partir da escuta de grande parte dessa produção de rap de São Paulo, selecionei algumas músicas que são interessantes para pensar discussões sobre o próprio subcampo do rap e sua relação com a música popular num sentido mais amplo. Isso fica claro em músicas como Artistas ou Não?, do grupo Facção Central, e Se o Mundo Inteiro Pudesse Me Ouvir, do grupo Filosofia de Rua”, explica a pesquisadora.

Os anos 1990 representam o período de auge do rap paulista, quando o gênero como um todo atrai interesse de grandes gravadoras e publicidade de massa. De acordo com Paula, a consagração do rap é representada com os Racionais MC’s a partir do prêmio de escolha da audiência de melhor clipe com Diário de um Detento, em 1998, no VMB da MTV.

“Assim, me interessou pensar no espaço de produção do rap como um lugar amplo, diverso em possibilidades e cheio de constrições próprias daquele período. Se vê, por exemplo, que mulheres tiveram muito pouco destaque e que, por outro lado, um rapper de fora do circuito paulista, branco e inserido em circuitos de mídia através de herança familiar, Gabriel O Pensador, teve uma inserção muito mais rápida e ampla do que os paulistas”, analisa Paula.

O rap e a indústria musical brasileira

A pesquisa relacionou a ascensão do rap com discussões levantadas por grandes nomes da MPB, como a tese da “linha evolutiva da música popular brasileira”, defendida por Caetano Veloso, em 1966, e a ideia de “fim da canção”, exposta por Chico Buarque de Holanda, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2004, na qual o cantor analisa a ascensão do rap como uma maneira da MPB se reconectar a uma forma de expressão e crítica genuinamente populares.

Paula acredita que a discussão mostra principalmente uma perda de influência e centralidade da produção musical tradicional, e não tanto uma discussão sobre o próprio rap.

“Essa ‘descoberta’ do rap por atores tão consagrados e essa posição em que o rap foi posto diziam mais sobre os próprios críticos do que sobre o gênero – isso porque, obviamente, ao colocar o rap nesse lugar de novidade e de ‘fratura’ na história da canção brasileira, claramente se falava sobre as questões de raça e classe. Com isso, busco conectar a noção de que essa produção crítica, vinda de um circuito consagrado no âmbito da cultura e da música popular, não levou em conta tanto os processos internos do rap, como o seu histórico ligado às memórias coletivas negras a que ele se vinculava.”

Segundo a pesquisadora, “a dissertação ajuda a compreender melhor esse jogo inicial de um gênero na indústria musical, suas particularidades de raça e classe no Brasil e a tradução disso no produto final – nas músicas, tanto em letras como nas bases criadas para rimar a partir de samples de outras músicas”.

Da Assessoria de Imprensa da FFLCH

Mais informações: e-mail comunicacaofflch@usp.br, na Assessoria de Imprensa da FFLCH


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