Regulamentar e tributar NFTs pode apresentar risco ao mercado da inovação

O Brasil é um dos países que mais cobram impostos no mundo e, caso decida tributar os NFTs, pode causar uma fuga de empresas e desestímulo à inovação tecnológica, diz André Ramos Tavares

 18/10/2022 - Publicado há 2 anos
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O mercado das criptomoedas e dos NFTs ainda não é inteiramente regulamentado por lei – Foto: pikisuperstar/Freepik
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Desde o surgimento das criptomoedas, em 2008, outros mundos impulsionados pela tecnologia, que constantemente se aprimora, apareceram. É o caso do blockchain, NFTs e o metaverso, elementos da atualidade que ainda não são bem compreendidos pela população nem completamente contemplados pelas leis fiscais. 

NFTs, sigla para non-fungible token, são certificados de autenticidade digital para objetos físicos ou digitais. Criado em 2013, esse ativo digital é uma forma de comprovar que um objeto é único. Simplificadamente, isso significa que um NFT não pode ser trocado por outro, já que nunca serão iguais.

André Ramos Tavares – Foto: FDUSP

“Eles são acervos digitais muito semelhantes a criptomoedas, embora tenham algumas diferenças porque eles não são fungíveis”, explica o professor titular da cadeira de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, André Ramos Tavares. 

Por exemplo, não tem diferença trocar um bitcoin por outro, já que é a mesma moeda. Assim, mesmo que vejamos nas redes sociais ou nas ferramentas de busca fotos das NFTs, mais comumente associadas às artes digitais, alguém é o proprietário e detém os direitos de troca, o que pode levar a altos ganhos de capital. 

“No caso, apesar de a obra digital ser algo comumente copiável e reproduzível ao infinito, os NFTs introduziram uma característica oposta, de serem únicos. E essa característica é passível de controle, pode ser verificada a identidade, ainda que haja cópias digitais”, elucida o professor. 

É possível, ainda, aplicar a lei da oferta e da procura a esses ativos. Ao seguirmos essa lei, aquilo que é único, que existe apenas uma unidade e é procurada por muitas pessoas, tem seu preço aumentado. Os NFTs seguem essa lógica. 

Ethereum

Os NFTs estão na rede Ethereum, a qual possui sua própria criptomoeda, o ether. O Ethereum é uma rede com tecnologia blockchain. Simplificadamente, a rede serve como meio para criar negócios e aplicativos, negociar, comunicar e guardar ativos, e aí entram os NFTs. 

Blockchain, por sua vez, é uma data base para transações, o que quer dizer que atua como um livro contábil digital. Não é controlado por um órgão central, mas sim por todos da comunidade que tiverem em seu computador o ethereum. Toda vez que uma nova informação é adicionada na rede, o que deve ser decidido por maioria simples da comunidade do blockchain, ela cria um bloco, que ganha uma data e um registro de tempo. Esses registros podem ser consultados por todos com acesso ao blockchain e garantem maior transparência para todas as transações.

NFTs podem ser usados em videogames; arte digital (aumentando a chance de não haver fraude autoral); por colecionadores; no metaverso; como ingressos para um evento; e em diplomas. 

Só em 2021, a rede Ethereum já movimentou US$ 11.6 trilhões, o que demonstra a capacidade de movimentação financeira e ganhos de capital dentro dessa rede. No Brasil, segundo dados do Non Fungible, o mercado de NFTs já movimentou R$ 8 bilhões só de maio a agosto, colocando-o em segundo lugar em investidores de NFTs no mundo. 

NFTs, sigla para non-fungible token, são certificados de autenticidade digital para objetos físicos ou digitais – Foto: Freepik

 

Porém, esse mercado das criptomoedas e dos NFTs ainda não é inteiramente regulamentado por lei. Assim, qualquer um pode criar e vender um token. Dessa forma, pessoas físicas e jurídicas podem fugir da responsabilidade fiscal. “A grande questão que preocupa o Estado ou as autoridades públicas é justamente o uso recorrente desse tipo de tecnologia digital para eventualmente realizar ganhos de capital”, diz André Tavares. 

Taxação

Desde o início deste ano, os rendimentos dos NFTs e moedas digitais podem ser declarados no imposto de renda a partir do código 88. Também, por meio da Instrução Normativa de n°1.888, de 2019, informações sobre operações com criptomoedas e ativos têm que ser prestadas. Mas isso não engloba os NFTs. 

O advogado ainda lembra que, assim como por meio de outros investimentos e meios, os NFTs também podem ser utilizados para lavagem, desvio e ocultação de dinheiro. Por isso, “entramos no campo da necessidade da regulamentação ou das normas jurídicas, que vão sempre estabelecer alguns parâmetros das operações, para evitar esse tipo de ocorrência que não interessa à sociedade”.

Mesmo assim, sua criação trata de uma inovação e uma modernização, principalmente pelo fato de não estar centralizado, o que abre novas oportunidades de investimentos e formas de guardar dinheiro.  A questão é: a necessidade de regulamentação e uma possível tributação poderiam desestimular o uso dos NFTs e da pesquisa por inovações e novas tecnologias: “Esse tipo de situação pode realmente contribuir para prejudicar o sistema da inovação”.

Outra consequência de uma alta taxação seria a fuga de empresas do País para outros em que a situação fiscal fosse mais favorável. Em 2020, quando comparado a todos os países da OCDE, o Brasil tinha a maior alíquota sobre renda das empresas. Só neste ano, já foram arrecadados mais de R$ 2,2 trilhões em impostos, segundo dados do impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. 

Isso significa que a criação de ativos descentralizados é um modo de fugir de altas tributações que já apresentam um desestímulo ao empresariado brasileiro, em especial àqueles fora dos monopólios. Por conta disso, o professor ressalta que as normas jurídicas e uma futura taxação devem ser feitas de maneira consciente. Apesar de tudo, apresentar os NFTs como um avanço tecnológico não é motivo o suficiente para que eles sejam isentados de uma taxação, explica o professor. “Eu entendo que o Estado precisa operar como ele sempre operou. Agora, como eu disse, de uma maneira inteligente. O sistema da inovação brasileira é muito importante”, finaliza. 


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