As palavras que definiram 2022

Marília Fiorillo, em sua coluna desta semana, analisa as palavras que, para os dicionários, refletem os tempos atuais, tais como “goblin mode”, “gaslighting” e metaverso

 02/12/2022 - Publicado há 1 ano

“Todo ano, dicionários famosos escolhem a palavra que definiu o período. Em 2022, o Merriam Webster americano escolheu a palavra gaslighting, que pode ser rapidamente traduzida como ‘manipulação’.” E o dicionário Oxford, britânico, pela primeira vez em sua história, colocou em votação, para o público, os termos mais cotados. Com mais de 60% de chance, o termo goblin mode está à frente, seguido de metaverso e da hashtag#eutambém, como a feminista #metoo.

Metaverso deve sua popularidade a Zuckerberg, que rebatizou o Facebook, e também ao falatório sobre uma provável substituição da vida pela realidade virtual, em que trocaríamos nossas personalidades por avatares que passariam a se relacionar com outros avatares num universo paralelo cujas vantagens são duvidosas, a não ser, claro, que as guerras reais e tangíveis se transformem todas em videogames viciantes. Seria um alívio para pessoas de carne e osso, apesar dos danos colaterais, no caso de uma explosão da dissonância cognitiva. Dissonância cognitiva é a incapacidade de entender ou aceitar aquilo que não está em suas crenças e preconceitos, poderia ser outra expressão do ano. Nada é mais realista que essa algaravia geral, em que todos falam todo o tempo sobre o que não entendem, e ninguém escuta ninguém.

“O uso de metaverso quadruplicou em 2022, impulsionado pelas criptomoedas e pela aposta numa indústria futura de lucros astronômicos de trilhões, bem palpáveis. Voltando ao termo gaslighting, ele é mesmo apropriado. Pode se referir à manipulação ideológica (como induzi-lo a acreditar que os valores dos outros são os seus, um hábito clássico, por exemplo, da classe média, que fantasia ser elite, mesmo quando mora numa quitinete). Pode se referir também a abuso psicológico, e o aumento de feminicídios é a prova. Pode ser sinônimo de fraude ou golpe, uma prática levada ao extremo no comércio via internet. Simplificando: é nada mais nada menos que a tolice dos muitos que permite a poucos levar vantagem.

“Quanto ao termo modo goblin, é consequência dos anteriores, já que vivemos um ano de malandragem amplificada e desigualdade crescente. Significa desânimo assumido: ficar em casa comendo pipoca e assistindo durante12, 15 horas a todas as séries, das ótimas às intragáveis. Por isso que é injusto associar goblin à preguiça. Ao contrário, essa reação corresponde ao desalento de quem ficou meses diligentemente procurando emprego e não encontrou. É a condição de desesperança em que se encontra boa parte da população planetária. O modo goblin é o inverso do modo Macunaíma. Em português brasileiro, é ‘o tanto faz’, ‘dá na mesma’. O lance é jogar a toalha e se conformar. Sorte nossa que os dicionários ainda existem: o bom neles é que não há fake news”.


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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