Países usam armas nucleares para exibir poder de fogo e desencorajar agressões

Felipe Loureiro explica que um país militarmente forte incentiva os seus adversários a atuar com precaução através de demonstrações de poder

 21/05/2021 - Publicado há 3 anos
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Um país busca garantir a sua segurança nacional e o seu poder de fala em diversos contextos se estabelecendo como uma ameaça militar – Foto: Fotos Públicas
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O período da Guerra Fria marcou uma disputa entre superpotências, Estados Unidos e União Soviética, que fomentou forte conflito ideológico e geopolítico entre os anos de 1947 e 1991. Embora as partes não tivessem como estratégia central o ataque direto ao oponente, a produção de armas nucleares continuou extremamente assídua. O arsenal bélico desenvolvido pelos países protagonistas no conflito tem potencial para devastar o planeta Terra, porém, felizmente, o plano não é esse. Assumindo que o país A possui armamento pesado o suficiente para destruir todo o país B, que igualmente detém armamento mortal, nenhum dos lados irá atacar – esta é a teoria da intimidação, ou deterrence, em inglês, estratégia militar de dissuasão que precede em muitos anos a Guerra Fria. Em linhas gerais, um país busca garantir a sua segurança nacional e o seu poder de fala em diversos contextos se estabelecendo como uma ameaça militar.

O professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Felipe Loureiro, explica que toda a perspectiva por trás da deterrence é a ideia de que, se um país está forte, acaba incentivando os seus adversários no sistema internacional a atuar com precaução, “porque todo agente político racionalmente não vai querer entrar numa guerra, ainda mais numa guerra de proporções muito destrutivas”. Com o fim da Guerra Fria, os EUA se tornaram a única potência global de fato, mas países como China, Rússia, Coreia do Norte e Irã passaram a representar, ao longo do tempo, novas ameaças geopolíticas. Isso, segundo Loureiro, leva à necessidade de um tipo de política de defesa que privilegia claramente a ideia de uma força preponderante para garantir que o adversário não tome atitudes que possam levar a uma guerra.

A renovação da presidência dos Estados Unidos gerou reações por parte da Coreia do Norte. Pouco antes da posse de Joe Biden, a Coreia do Norte organizou um exuberante desfile militar em Pyongyang e, dois dias após representantes da diplomacia e da defesa americana visitarem a Coreia do Sul, o ditador norte-coreano Kim Jong-un autorizou testes com mísseis, o que acirrou os ânimos entre os adversários. “Haverá resposta se eles escolherem escalar as tensões. Vamos responder apropriadamente, mas também estou preparado para alguma forma de diplomacia”, afirmou Biden.

Foto:  KCNA – Fotos Públicas

O professor Felipe Loureiro afirma que o regime da Coreia do Norte segue certo padrão de comportamento, especialmente no início de novas administrações norte-americanas, “que é o de realizar ações, digamos, mais ofensivas e desrespeitosas para com regras do sistema internacional, deixando claro a sua soberania e seu direito a desenvolver uma política de segurança completamente independente de diretrizes e de poderes externos”. Foi assim, por exemplo, no início da administração do ex-presidente americano Donald Trump. “Se a gente for olhar mais para trás ainda, na própria administração Clinton, nas administrações Bush e Obama, houve momentos também de tensões muito significativas e de desrespeitos frequentes por parte da Coreia do Norte a acordos e a resoluções internacionais”, ele conta. Dado o cenário, um aperto de mãos entre as lideranças americana e norte-coreana é improvável, caso não haja programas eficientes de desnuclearização, que vão ao encontro dos interesses estratégicos norte-americanos de contenção da proliferação nuclear no sistema internacional.

Felipe Loureiro – Foto: Jornal da USP

A Organização das Nações Unidas abriga o Conselho de Segurança, cuja função é zelar pela manutenção da paz e da segurança internacional. O conselho é o único órgão da ONU que tem o poder de impor sanções econômicas e atuar com força militar para garantir o cumprimento de regras no sistema internacional. Contudo, segundo o professor, “é muito difícil de imaginar que o Conselho de Segurança vai aplicar algum tipo de sanção contra, por exemplo, a própria Coreia do Norte, na medida em que há cinco membros do conselho que têm poder de veto: EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China”. Dada a proximidade entre os regimes norte-coreano e chinês, qualquer tentativa de imposição de sanções contra a Coreia do Norte tende a ser vetada pela China.

A Região Ártica, no Hemisfério Norte do planeta, é onde está a base russa construída pela União Soviética nos anos de 1950. Um torpedo nuclear intercontinental, batizado de Poseidon 2M39, é parte de uma tentativa de proteger a costa russa e, segundo autoridades do Estado assistente para Segurança Internacional e Não Proliferação dos EUA, o Poseidon foi projetado para “inundar as cidades costeiras dos Estados Unidos com tsunamis radioativos”. O torpedo pode tornar as áreas atingidas inabitáveis por décadas. Trata-se de mais uma das tentativas de intimidação militar russa, assim como acontece simultaneamente com a ocupação militar a mando do presidente russo Vladimir Putin na fronteira da Ucrânia devido à disputa pela região da Crimeia. Loureiro explica que “todo um conjunto de elementos vêm tornando – e, claro, a declaração do próprio Biden, de que Putin seria um assassino – as relações bilaterais difíceis e qualquer tipo de investimento militar que a Rússia faça certamente pode gerar algum tipo de instabilidade e até um início de uma corrida armamentista entre as grandes potências”, incluindo a China no imbróglio.

Um sinal positivo em relação ao adiamento de uma possível corrida armamentista nuclear em prol da estabilidade internacional são os acordos entre países militarmente perigosos. Um deles foi o acordo New Strategic Arms Reduction Treaty (New Start), logo no início do governo Biden. Putin assinou o projeto de lei estendendo o acordo até 2026. Os EUA também estão em processo negocial para o retorno ao acordo entre seis potências a cinco do Conselho de Segurança, somados à Alemanha e ao Irã, assinado em 2015, “no sentido de eliminação e redução de sanções econômicas contra o Irã em troca de uma posição de crescente limitação do grau de enriquecimento de urânio que o regime iraniano vem fazendo nas suas usinas”, como explica o professor. Com a saída dos EUA desse acordo em 2018, no governo de Trump, está havendo uma reconstrução de todo o processo. “Mas isso só está sendo possível porque há uma perspectiva de que ambos os lados irão corresponder aos interesses do outro mutuamente, então os EUA vão iniciar um processo de diminuição das sanções econômicas impostas pelo governo Trump a partir de 2018, e o Irã gradualmente vai voltar para as metas do acordo de 2015, no sentido de limitação do seu poder de enriquecimento de urânio.”


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