Ocorreram 36 ataques a escolas no Brasil entre 2002 e 2023

Daniel Cara comenta relatório realizado pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Violências nas Escolas, do Ministério da Educação

 19/02/2024 - Publicado há 2 meses
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As próprias escolas já foram e continuam sendo espaços que, de diferentes formas, promovem a violência Fotos: Freepik / Agencia Brasil
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Em novembro de 2023, foi lançado o relatório Ataque às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para a ação governamental, realizado pelo Grupo de Trabalho de Especialistas em Violências nas Escolas, do Ministério da Educação. Segundo o documento, o Brasil teve, entre 2002 e o momento de sua conclusão (outubro de 2023), 36 ataques a escolas, que resultaram em 164 vítimas, sendo 49 casos fatais e 115 pessoas feridas.

Segundo Daniel Cara, docente da Faculdade de Educação da USP e relator do documento,  “esse novo relatório do Ministério da Educação consolida o fato de que o extremismo mobiliza os ataques. Não se trata de violência nas escolas apenas, mas de violência contra as escolas, que têm um vínculo orgânico retroalimentado pela violência nas escolas e a violência da escola.”

Violência na escola e violência da escola

O pesquisador destaca que as próprias escolas já foram e continuam sendo espaços que, de diferentes formas, promovem a violência. “Quando era permitido, na geração do meu pai e na geração do seu avô, o castigo dentro das escolas era uma atitude de violência. Então, a escola é um ambiente violento que promove a violência. Ela não é um ambiente seguro, protegido. E, ao mesmo tempo, existe a violência na escola, em que a modalidade mais conhecida é o bullying, que, numa tradução simples, é a perseguição sistemática, ele acaba alimentando a mobilização de ataques”, revela o pesquisador.

Daniel Tojeira Cara – Foto: Reprodução/Twitter

O relatório aponta que os agressores são frequentemente alunos e ex-alunos que atuam, quase sempre, como uma reação a ressentimentos, fracassos e violências experienciadas na vida e na comunidade escolar.

Copycat crimes e extremismo

Uma das revelações do relatório, segundo Daniel Cara, é a presença de Copycat crimes, crimes por imitação. O pesquisador explica que “o crime de Columbine é o grande evento mundial que foi imitado por Realengo em muitos aspectos, em 2011. Depois, Realengo é imitado junto com Columbine em Suzano, 2019. Que também é imitado por Aracruz, que é imitado por Sapopemba, em 2023, que eu acho que é o evento mais referencial, o mais dramático”.

O relatório também revela o extremismo como outro fator determinante na elaboração desses ataques. De acordo com o documento, atualmente existe uma falta de controle sobre discursos e práticas de ódio, que se disseminam ainda mais facilmente pelos meios digitais. O relatório aponta que a cooptação desses jovens se baseia em ressentimentos emocionais e valores reacionários. Isso ocorre principalmente em “interações virtuais cujas estratégias incluem humor, estética e linguagem violentas, especialmente misóginas, machistas e racistas, em plataformas de Internet utilizadas pelos grupos extremistas com fins de organizar comunidades de ódio e mobilizar ataques, resultando em impunidade por conta do anonimato”.

Recomendações

Além de analisar os dados e aprofundar o conhecimento sobre as motivações por trás dos ataques às escolas, o relatório também aponta recomendações para o combate do governo em relação a esse fenômeno. “No âmbito da escola, a principal estratégia de prevenção é trabalhar com um clima escolar e gestão democrática para que os conflitos sejam resolvidos de forma pacífica. É sempre bom lembrar que paz não abdica de conflito, conflito é inerente para uma paz verdadeira, a questão é como se resolve conflito. Então, nesse sentido, no âmbito da escola, é preciso gestão democrática”, explica o professor. 

Na esfera do Estado, o relatório aponta a regulação das redes, o controle das armas de fogo e a promoção de uma legislação que combata o extremismo, o bullying e promova um ambiente pacífico nas escolas.  Daniel Cara pontua o papel fundamental da família: “Não é aceitável que uma criança e um adolescente sejam expostos a conteúdo de ódio ou comecem a produzir esse material, por isso a família também tem que intervir”.

Ele também destaca dois pontos quanto a função da sociedade nesse cenário. De acordo com o professor, é importante que a imprensa trate com responsabilidade a cobertura dos ataques. Além disso, existe a necessidade do combate e do repúdio ao comportamento extremista e aos discursos de ódio.  

Acolhimento e reparação 

Outro ponto importante, levantado por Daniel Cara, é a necessidade da criação de políticas públicas para a reparação no caso da ocorrência de ataques. “É preciso reparar a dor que foi criada pelo ataque, é preciso acolher as pessoas. E não basta acolher só a família, a turma, é preciso acolher toda a comunidade escolar, porque toda ela é acometida por um ataque. Quando se ataca uma escola, toda a sociedade é atacada, e por isso é fundamental que a gente tenha a compreensão no Brasil de que esse fenômeno precisa ser encerrado”, destaca.

A recorrência desses ataques e a gravidade dos crimes cometidos levantam a urgência desse cenário e, para o professor, “o Brasil não está no paradigma se vai acontecer um novo ataque, está no paradigma de quando vai acontecer. E, por isso, é preciso realizar todos os esforços possíveis e urgentes para evitar essa ferida, que é algo que desestrutura, com razão, toda a sociedade brasileira”.

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo


Boletim USP e Educação

Produção: Produção - Cinderela Caldeira, Tulio Gonzaga, Julia Estanislau
Edição: Rádio USP
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