Federação Partidária, aprovada pelo Congresso, tenta reduzir a fragmentação dos partidos

Os partidos que integram uma federação mantém sua autonomia, mas devem atuar unidos por um período de quatro anos, o que significa que essas legendas precisam ter estatuto, bancada e lideranças em conjunto

 22/02/2022 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 28/06/2024 às 11:03
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Plenário do Senado Federal – Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
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As federações partidárias, aprovadas no Congresso, foram validadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O mecanismo cria novas regras sobre a união de partidos para disputas eleitorais e entra em vigor já na eleição de 2022.

Os partidos que integram uma federação mantém sua autonomia, mas devem atuar unidos por um período de quatro anos. Isso significa que essas legendas precisam ter estatuto, bancada e lideranças em conjunto.

As siglas se unem nacionalmente, ou seja, definem juntas os candidatos que representarão a federação em nível municipal, estadual e federal. Essa aliança deve se manter mesmo após o fim da eleição. Com ela, partidos podem eleger mais nomes e garantir acesso a recursos públicos e tempo de propaganda partidária.

As agremiações que não cumprirem essas regras sofrem sanções: elas são proibidas de integrar outra federação ou coligação e perdem acesso ao fundo partidário (verba pública repassada aos partidos) até que o período de quatro anos seja cumprido.

Fragmentação partidária: federações, cláusula de desempenho e coligações

A adoção das federações surge como uma espécie de reação a outras duas medidas adotadas em 2017: a cláusula de desempenho e o fim das coligações em eleições proporcionais (sistema utilizado para eleger vereadores, deputados estaduais e deputados federais). 

Roger Leal – Foto: FD

Segundo Roger Leal, professor do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito (FD) da USP, o sistema político-partidário brasileiro incentiva o multipartidarismo. Atualmente são mais de 30 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que dificulta a governabilidade e a formação de consensos políticos. “É muito difícil construir maiorias estáveis de apoio ao governo diante de um quadro partidário com esse número de partidos”, afirma Leal.

Essas normas foram adotadas com o objetivo de reduzir a fragmentação partidária. A cláusula de desempenho, também chamada de cláusula de barreira, restringe o acesso aos recursos públicos e a atuação dos partidos que não atingirem uma porcentagem mínima de votos para o Congresso. Já a coligação também funciona como uma união entre partidos e foi proibida em eleições proporcionais.

Apesar da semelhança com as coligações, as federações são consideradas mais estáveis e duradouras. No sistema de coligação, a união é válida apenas para a disputa eleitoral, sendo desfeita após o pleito. Também não é exigido alinhamento a nível nacional. As alianças podem ser celebradas individualmente em cada estado ou município.

As duas mudanças tiveram um grande impacto nas dinâmicas eleitorais. “Muitos partidos não lançaram mais candidatos em dados municípios e nem puderam se coligar”, afirma Bruno Speck, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Em reação a esse impacto, os partidos criaram uma solução intermediária, que é a federação”, acrescenta.

Com essa solução intermediária, as agremiações podem construir alianças para atingir o limite da cláusula de desempenho com mais facilidade. Isso dá uma sobrevida aos partidos pequenos, que provavelmente não superariam a cláusula sozinhos.

Bruno Speck – Foto: IEA USP

Mas essa alternativa ainda demanda muita articulação e alinhamento por parte das legendas. “Elas precisam vencer muitos obstáculos e criar uma afinidade muito grande”, avalia Speck. “Grupos de partidos que forem capazes de se federar por quatro anos, no meu entender, têm grande probabilidade de se fusionar”, acrescenta o professor, ao comentar a possibilidade de fusão, uma união definitiva.

No STF, as federações foram validadas por dez votos a um. O voto vencido foi dado pelo ministro Nunes Marques que, ao apontar as semelhanças com o modelo de coligação, questionou a constitucionalidade do mecanismo. Segundo Marques, a norma “presta-se a burlar a cláusula de desempenho” e “os votos confiados a um candidato ou partido podem resultar na eleição de alguém filiado a outra agremiação partidária”.

Ao avaliar o parecer de Marques, o professor Leal comenta que é natural que um ministro analise o tema tendo a perspectiva de que prevalecem as semelhanças entre federação e coligação, enquanto para outros ministros prevalecem as diferenças. Entretanto, na análise do professor, “a medida provisória que propunha uma fórmula redutora do quadro partidário é, de alguma maneira, abrandada pela introdução das federações”.

O STF também determinou que essas federações devem ser registradas na justiça eleitoral dentro do prazo de até seis meses antes da eleição. No ano de 2022, em caráter excepcional, esse prazo foi estendido até o dia 31 de maio. Líderes de partidos defendem que a data limite seja em agosto, assim como definido no documento aprovado no Congresso.

Aprimoramentos

“O fato de o STF ter decidido um cenário normativo para as próximas eleições não afasta outras discussões e outras controvérsias”, afirma Leal. O professor cita como exemplo a composição das mesas diretoras e comissões parlamentares, que, segundo a Constituição, deve respeitar o tamanho das bancadas. “O texto obviamente não fala em federação e aí se coloca uma questão: pode o partido que compõe uma federação compor um bloco parlamentar com outros partidos?” questiona.

As ações de inconstitucionalidade, propostas pelos partidos no STF, também levantam controvérsias. “Um partido que compõe a federação poderá, sozinho, ajuizar uma ação mesmo que sem o apoio de seus aliados?”, contesta Leal. “Há uma série de questões relacionadas ao funcionamento da federação que talvez ainda ensejem controvérsias futuras que vão além das eleições de 2022”, conclui.


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