Consumidor deve ter cautela com produtos de empresas que se dizem ambientalmente corretas

A prática, chamada de “greenwashing”, implica na construção, por algumas empresas, de uma propaganda de promessas enganosas de proteção ambiental

 18/01/2023 - Publicado há 1 ano
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Em nome do ambientalmente correto, greenwashing é caracterizado como promessas de baixo ou nenhum impacto ambiental – Fotomontagem com images de Freepik
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A não tão atual preocupação ambiental vem gerando mudanças, mesmo que a passos curtos, em todo o mundo. A criação da Agenda 2030 pela Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em 2015, e as atuais medidas ESG fizeram com que a questão ambiental se tornasse central. Nesse contexto, surge o greenwashing.  “São atributos de um produto que tem uma promessa que não é completamente verdade. Eu prometo algo mas eu não estou entregando este atributo, seja de um produto, seja de um serviço. Isso é, grosso modo, o conceito de greenwashing”, explica Sylmara Lopes, professora associada e livre-docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP). Segundo ela, o greenwashing vem sendo implementado principalmente por meio de estratégias de marketing.

Em nome do ambientalmente correto, greenwashing é caracterizado como promessas de baixo ou nenhum impacto ambiental feitas por empresas de produtos de limpeza, cosméticos, automóveis, do setor têxtil, entre outras. Dessa forma, elas passam a ser adequadas a um momento em que se estar preocupado com o ambiente é a regra. Porém, como exposto antes, na maioria das vezes essa adequação é apenas “para inglês ver”: a empresa fala que faz, engana o consumidor e, no final das contas, não entrega realmente aquilo que foi propagandeado. 

Segundo uma pesquisa feita em 2015 pelo Marketing Analysis, de 2010 a 2014 o número de produtos que se autodeclararam verdes cresceu 478%, saindo de 408 para 2.358. Na época, apenas 15% destes tinham certificados ambientais que embasassem as alegações feitas em embalagens ou por meio de declarações públicas das empresas. 

Como identificar?  

Seguir as metas impostas pela Agenda 2030 e a pressão pela adoção não apenas de medidas sustentáveis, mas também de inclusão, são, muitas vezes, para as empresas, uma receita de perda de capital. Custa caro ser sustentável, mas, nos dias atuais, isso é necessário para assegurar o bom nome das empresas.

Entre as empresas que praticam o greenwashing, existem aquelas que deliberadamente constroem uma propaganda de promessas enganosas de proteção ambiental. Outras que, por já participarem do processo de buscar um menor impacto ambiental, comunicam que já são completamente verdes. O terceiro tipo de empresa é aquele que não tem consciência dos processos ou danos reais de toda a cadeia nem se preocupa em levantar dados sobre isso. Essas praticam greenwashing sem nem mesmo saber que praticam. 

Sylmara Lopes – Foto: Currículo Lattes

“Enganar pela imagem, pelo discurso, pela narrativa e fazer alguma reivindicação de políticas verdes vazias” são algumas das características do greenwashing, explica Sylmara. Outro aspecto muito interessante é quando apenas uma ponta da cadeia produtiva – que realmente é ambientalmente correta – acaba sendo divulgada, dando a impressão de que toda a empresa segue essa mesma tendência. Muitas vezes, isso pode acabar escondendo, inclusive, práticas muito danosas ao ambiente. Um exemplo disso é uma empresa tratar suas obrigações legais de conduta ambiental como ações voluntárias pró-meio ambiente, ou, então, uma empresa claramente poluidora propagandear investimentos em energia solar, minimizando sua imagem de não sustentável na mídia. 

A adoção de imagens que parecem certificados reais também é uma das estratégias utilizadas: isso induz o consumidor a pensar que aquele produto passou por algum tipo de controle de qualidade ou averiguação para receber esse certificado, quando, na verdade, é apenas um elemento incorporado na embalagem sem embasamento de pesquisa. Muitos termos, inclusive, são irrelevantes, mas são colocados nas embalagens para passar uma sensação de que realmente existe uma preocupação com o meio ambiente. Por exemplo, o uso de clorofluorcarbonos (CFC) é proibido no País desde 1988 e, mesmo assim, o certificado que atesta que o produto é livre desse composto ainda é amplamente utilizado.

Nesse contexto, a falta de justificativas para termos como eco-friendly; “ambientalmente correto”; ”à base de ingredientes naturais”; “amigo do meio ambiente”, entre outros, prejudica a veracidade e pode acender um alerta para quem consome esses produtos. Não é porque está na embalagem que é verdade. 

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor montou uma lista de marcas que fazem greenwashing, as quais podem ser consultadas on-line. 

Como contornar o problema?

Foto: Freepik

Sylmara diz que o problema do greenwashing só será solucionado quando a própria cadeia de produção for repensada e reestruturada para poluir e impactar menos o meio ambiente. “A gente se negou a discutir o centro de tudo, que é como a gente vai reduzir a dependência dos combustíveis fósseis”, diz. A mudança para uma virada verde e a real adequação das empresas, necessariamente, passa por uma mudança da matéria-prima que nos fornece energia. Não há possibilidade de cobrar produtos sustentáveis se não é possível produzi-los sem que uma parte da produção acabe poluindo o meio ambiente. “Para que eu entregue um produto de boa qualidade é preciso investir numa mudança estrutural. Então, é mais do que só pensar no trabalho de uma única empresa, por isso que eu estou dizendo: uma única empresa não consegue mudar o sistema. Precisa ser algo combinado setorialmente e intersetorialmente. E, no caso das mudanças climáticas, globalmente”, explica a professora.

Um dos exemplos mais danosos ao meio ambiente e hiperestimulado atualmente é a fast fashion: a produção em massa de artigos de roupa que, ao serem produzidos a um menor custo, também acabam sendo de menor qualidade. Isso ocasiona o descarte rápido e não pensado de toneladas de roupas que não irão sumir do dia para a noite. “Não tem rentabilidade, porque eu estou falando de produtos sintéticos, e não tem uma cadeia de logística reversa estruturada em nenhum lugar do mundo. Como é que eu vou continuar com essa roda acontecendo, se eu não mexer nessas pontas sensíveis que movimentam a economia, que é o consumo e o dinheiro que financia esse padrão?”, indaga Sylmara. 

A própria população busca formas de consumir produtos e serviços que estejam adequados a esse novo momento. Isso, porém, não transfere a responsabilidade de fiscalização de quem é verde ou não para eles. Trata-se, antes, de uma ação conjunta entre empresas, população e Estado. Diminuir o consumo, ou pelo menos mudar a forma como ele é feito, e repensar a forma de produção já é um grande passo. “Para isso a gente vai ter que formar e capacitar profissionais de várias áreas. No sistema jurídico, ninguém foi informado sobre isso, então vai ter que capacitar. É importante incluir nos currículos dos novos advogados, os bacharéis em Direito, a importância de pensar nisso.  Da mesma forma, incluir na formação dos bacharéis em Administração e Engenharia. Ou seja, é todo mundo ao mesmo tempo”, complementa Sylmara. 


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