Zé Celso, o “artista da liberdade mais radical”

Guilhermwe Wisnik destaca a capacidade de Zé Celso de refazer o Teatro Oficina tantas vezes, até se firmar como um lugar de resistência no bairro do Bixiga contra a especulação imobiliária

 13/07/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 19/07/2023 as 14:12

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Na coluna desta semana, o professor Guilherme Wisnik comenta sobre o legado cultural do diretor e dramaturgo José Celso Martinez. Wisnik, que trabalhou com Zé Celso no Teatro Oficina, inclusive fazendo a cenografia de Bacantes, atribui o desenvolvimento de sua “formação estética e sentimental” a esse período. “Zé Celso é um artista enorme. Um artista da liberdade mais radical, porque ele exerceu essa liberdade, como ele bem dizia: ‘Eu nunca fiz nada que eu não gostasse’. A vida de artista levada ao limite, inclusive com ônus de toda precariedade financeira que isso implica”, reflete o professor.

Wisnik destaca a capacidade de Zé Celso de refazer o Teatro Oficina tantas vezes, inclusive quando a arquitetura do teatro era de Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, que foi o teatro das grandes montagens do final dos anos 1960. “Zé Celso, com Lina Bo Bardi e depois Edson Elito, terem a coragem de demolir aquele teatro com palco italiano para construir esse teatro radical que é o Oficina, um teatro de rua, um palco pista como um Sambódromo, um teatro grego”, exalta Wisnik, explicando que esse é um teatro de celebração, não do protagonista, mas o teatro da multidão com suas arquibancadas metálicas.

“Essa é uma compreensão, é uma concepção radicalissimamente nova e até hoje não tem par no mundo. Tanto é que o jornal inglês The Gardian, alguns anos atrás, elegeu o teatro oficina o melhor e o mais importante teatro do mundo”, acrescenta o professor.

Wisnik também comenta sobre a polêmica que envolve o teatro, de um lado, e a especulação imobiliária, de outro, representada pelo grupo Sílvio Santos. “Desde que ele reabriu, no início dos anos 90, com esse projeto novo radical da Lina e do Edson Elito, ele foi se firmando como um lugar de resistência no bairro do Bixiga contra a especulação imobiliária representada pelo Silvio Santos e seu grupo, que foi comprando os terrenos das casinhas em volta para tentar construir ali no quarteirão um grande shopping, que depois virou um conjunto de torres. E o Teatro Oficina, ao contrário, foi radicalizando essa ideia de resistência de Davi contra Golias.” Em peças como Os Sertões incorporava os moradores do movimento por moradia lá perto do teatro, os  sem teto. Em Canudos, a figura de Antônio Conselheiro contra o exército republicano trazia sempre essa metáfora da resistência que foi ganhando “um sentido fortemente político nesse embate urbano, e que termina com a defesa intransigente e libertária do Parque do Bixiga, descoberto que ali no terreno”.

O professor explica que ao lado do teatro passa oculto o córrego do Bixiga. A ideia defendida por Zé Celso e muitos seguidores é de que o córrego deve ser “trazido de volta à luz” e o grande terreno ser transformado num parque público voltado à questão ecológica e à revelação da geomorfologia de sua vertente hídrica. Nesse sentido, “o Oficina foi se afirmando nesse lugar do político na interface com o urbano, tornando-se uma das vozes mais importantes nesse debate em São Paulo e no Brasil de hoje”, conclui Wisnik.


Espaço em Obra
A coluna Espaço em Obra, com o professor Guilherme Wisnik, vai ao ar  quinzenalmente quinta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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