Homens negros são os mais afetados pelo desemprego causado pela política de juros

Em comparação, o desemprego para mulheres negras não é diferente daquele visto para os homens brancos; o efeito é contrário no caso das mulheres brancas, diz Clara Brenck

 07/03/2023 - Publicado há 1 ano
O aumento de um ponto porcentual na Selic real aumenta o desemprego de homens negros – Foto: Jeso Carneiro – Flickr
Logo da Rádio USP

A política de juros altos aumenta o desemprego entre homens negros, revela o estudo Working Paper 013, feito pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. O estudo levou em consideração a taxa Selic, que, no começo do ano, foi mantida em 13,75% pelo Banco Central, a fim de controlar a inflação e mantê-la dentro da meta estabelecida, de 3,25% neste ano.

O aumento da taxa de juros afeta diretamente algumas decisões como o financiamento de uma casa e empréstimos bancários. Também é responsável pela queda na demanda, o que reduz o consumo e o investimento. “As empresas também dependem muito da taxa de juros para realizar todos os investimentos”, explica Clara Brenck, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da FEA. Tudo isso diminui a renda e causa desemprego. 

Clara Brenck – Foto: Twitter

A pergunta feita pelas pesquisadoras Clara Brenck e Patrícia Couto foi: sabendo que há o aumento do desemprego, ele é igual ou desigual? Motivadas por essa questão, levaram em conta um estudo feito nos Estados Unidos em 2008 – que buscou fazer a mesma análise da correlação entre juros, desemprego, gênero e raça – e compararam homens e mulheres negras, assim como mulheres brancas a homens brancos, que estão situados no topo da pirâmide econômica. Chegaram à conclusão de que a política monetária afeta o desemprego dos brasileiros de acordo com gênero e raça.

O aumento de um ponto porcentual na Selic real “aumenta o desemprego de homens negros comparado ao de homens brancos em 1,22 ponto porcentual”. Isso acontece por alguns motivos. Homens brancos e homens negros não ocupam as mesmas posições, o que leva a essa desigualdade frente ao desemprego e impacto pelo aumento dos juros. Por exemplo, o estudo mostra que 14,5% dos homens negros ocupam posição na agricultura, 18% em comércio e 17% na construção civil, setores que, a qualquer alteração brusca, levam ao desemprego. Já para os homens brancos, 27,8% estão alocados em transporte e comércio, enquanto 16,2% estão na indústria.

A questão setorial também é um fator, já que a taxa de juros afeta mais uns que outros, como a construção civil. “Então, dependendo da composição setorial por gênero e raça, você tem esse efeito desigual”, diz Clara. A discriminação entra como fator, mas é difícil de medir no estudo. 

O estudo revelou que existe uma diferença entre as regiões do País: o efeito do aumento da taxa de juros no desemprego é intensificado nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, com o coeficiente de desemprego subindo de 1,22 ponto para 1,46 ponto porcentual. No Norte e no Nordeste o desemprego não apresenta diferença entre homens brancos e negros. Isso acontece porque a população negra é maior no Norte e Nordeste que em outras regiões do País, com aproximadamente 70% do mercado de trabalho, frente aos 43% nas outras regiões.

Mulheres negras e mulheres brancas

Um dado interessante é que as mulheres negras não são afetadas, comparativamente aos homens brancos: o desemprego aumenta, mas não está longe da taxa encontrada para homens brancos. Essa diferença de gênero pode ser explicada pelo tipo de trabalho exercido por elas, majoritariamente sendo trabalho de cuidado, como áreas da saúde e educação (18,5%) e como doméstica (17,%), setores menos sensíveis à taxa de juros.  

Já o caso das mulheres brancas é o contrário do esperado. Ao passo que o aumento da taxa de juros gera desemprego, o delas, em comparação aos homens brancos, é menor: elas estão acima na hierarquia. “O aumento de um ponto porcentual na Selic real diminui em 1,46 pontos porcentuais o desemprego de mulheres brancas comparado com homens brancos”, diz a pesquisa.

Dentre os motivos, repete o das mulheres negras: os tipos de setores nos quais elas estão alocadas sofrem menos com a variação da taxa de juros; elas são o grupo que tem o maior nível de educação no País, mesmo que ainda continuem ganhando menos que os homens. Clara explica que, no momento de crise, quem ganha menos tem seus empregos assegurados, enquanto quem ganha mais os perde mais fácil. “Esse é um efeito que a gente ainda precisa estudar melhor”, diz.

Principais conclusões

“A nossa principal conclusão é que a política macroeconômica não é neutra”, diz a pesquisadora. “A gente conclui que os homens negros são um grupo em especial, que são muito afetados por uma política de aumento de juros para controle da inflação”, explica. Os resultados obtidos são muito diferentes dependendo da região: “Existe aí uma diferença de grupos demográficos e uma diferença regional do efeito da política monetária que não pode ser ignorada”, lembra Clara. 

Mesmo que a pesquisa não discuta a criação de políticas públicas, ela enfatiza que a política monetária é desigual e pode aumentar a desigualdade. Uma solução, segundo Clara, seria pensar em alguma política complementar para tentar auxiliar a redução do efeito desigual ou pensar em alguma alternativa. “Talvez desenhar alguma política para incentivar o emprego em algum setor ou alguma coisa para contrabalancear esse efeito desigual, principalmente nos homens negros”, finaliza a pesquisadora.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.