“Crianças não têm maturidade suficiente para enfrentar os desafios do ambiente digital”

Segundo Teresa Cristina Rebolho Rego, elas precisam da ajuda de adultos, em especial dos pais e professores, para aprender a fazer um uso crítico, criativo e responsável das mídias e tecnologias disponíveis

 12/12/2023 - Publicado há 12 meses
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Um dos principais problemas relacionados ao uso da internet está no seu acesso, por parte de crianças, sem supervisão de um responsável – Foto: Freepik

 

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A população inteira da França, Itália e Grécia, juntas, não corresponde à quantidade de brasileiros conectados à internet: cerca de 149 milhões de usuários. Desse total, aproximadamente 142 milhões utilizam a internet diariamente. Esse elevado índice não exclui os jovens e crianças, como mostra pesquisa Tic Kids Online, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. De acordo com o estudo, 95% da população entre 9 e 17 anos é usuária de internet no Brasil, valor que corresponde a 25 milhões de pessoas. O estudo, que já está em sua 10ª edição, entrevistou 2.704 crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos.  

De acordo com a pesquisa, os usos da internet variam desde escutar música em sites e aplicativos até enviar fotos e vídeos a desconhecidos. A maioria dos acessos é através do celular e boa parte possui redes sociais. Além disso, mais de 30% das crianças e adolescentes entrevistados nunca, ou quase nunca, se preocuparam com a privacidade na internet e já viveram situações em que se sentiram ofendidas ou chateadas. 

Internet sem supervisão

Teresa Cristina Rebolho Rego de Moraes – Foto: Lattes

Um dos principais problemas relacionados ao uso da internet está no seu acesso, por parte de crianças, sem supervisão de um responsável. De acordo com Teresa Cristina Rebolho Rego, professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da USP e líder do Grupo de Pesquisa Temas da Educação Contemporânea e a Perspectiva Histórico-Cultural, essa faixa etária ainda não tem condições nem maturidade suficiente para enfrentar certos desafios colocados pelo ambiente digital, como o cyberbullying, as redes de pedofilia, os apelos da mídia sensacionalista e fake news. “Elas precisam da ajuda de adultos, em especial dos pais e professores, para aprender a fazer um uso crítico, criativo e responsável das mídias e tecnologias disponíveis”, explica. 

Outro aspecto preocupante diz respeito ao contato com o outro, através de webconferências – chamadas de WhatsApp, outras plataformas de vídeo ou redes sociais. Essa modalidade tornou-se predominante as formas de comunicação cotidiana, inclusive entre o público infantil. Segundo Teresa, muitas crianças, especialmente depois da pandemia, demonstraram certa dificuldade em se relacionar com colegas ao vivo.

Para a professora, o maior dos perigos está nos apelos da internet para o consumo. No Brasil, a publicidade infantil é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor desde a década de 1990. A internet é movida principalmente por interesses mercadológicos e, apesar de ser uma prática ilegal, a publicidade infantil não só ainda acontece no ambiente digital, como muitas vezes se dá de forma quase imperceptível. “Isso é um problema sério, pois as crianças se constituem públicos hipervulneráveis, porque não têm capacidade de julgamento para entender a persuasão da publicidade”, discorre Teresa. 

Idade ideal?

A pesquisa revelou que a idade do primeiro acesso à internet por crianças brasileiras vem se antecipando. Nos últimos anos, 24% dos entrevistados relataram ter começado a se conectar ao universo on-line na primeira infância – isto é, 6 anos de idade. Na edição de 2015 dessa mesma pesquisa, a proporção era de 11%. Para Teresa, esse aumento é significativo, pois o número de crianças e jovens que acessaram a internet muito cedo mais que dobrou ao longo desse período. 

Na opinião da especialista, crianças com menos de 6 anos não deveriam precisar utilizar a internet. Nessa idade é mais importante que elas brinquem, interajam com seus amigos e tenham contato com a natureza. Usos pontuais e supervisionados por adultos podem ser considerados, mas é mais importante que elas realizem mais atividades longe das telas.

Em redes sociais como o Facebook e o Instagram, por exemplo, a idade mínima para criar uma conta é aos 13 anos. Isso, em teoria, estabelece uma idade mínima para o acesso a esses serviços. Teresa acredita que mais importante do que definir qual a idade adequada para que crianças e adolescentes iniciem o acesso à internet está a necessidade de se refletir quais são as condições adequadas para para que crianças e jovens naveguem pela rede com segurança e criticidade. 

Internet: vilã ou aliada? 

Por conta do alto grau de interação entre sociedade e internet é quase impossível fugir de atividades que não sejam realizadas, pelo menos em algum grau, de forma on-line. Do ponto de vista emocional, social, cognitivo e até físico, o universo digital pode prejudicar o crescimento e aprendizado das crianças. 

“Existem excessos, riscos iminentes e distúrbios que já vêm sendo diagnosticados, decorrentes do uso abusivo, compulsivo, descontrolado das redes sociais, do celulares e das telas, tais como problemas relacionados à obesidade infantil, erotização precoce, consumo precoce de tabaco e álcool, estresse, familiarização da agressividade, violência etc.”, exemplifica a professora.

O tempo de exposição à tela e sem supervisão pode propiciar distúrbios nas crianças – Foto: Arturii/Flickr-CC

 

Porém, é preciso tomar cuidado para não desmerecer ou supervalorizar a importância da internet na vida das pessoas. É importante considerar o modo como os indivíduos se relacionam com o universo digital e qual o lugar que essas práticas ocupam em suas vidas. No caso das crianças, Teresa aponta que é importante perguntar por quanto tempo ficam conectadas, se contam com a supervisão ou mediação de um adulto e se possuem outras experiências além de navegar na internet, como brincadeiras ao ar livre e interações sociais. 

Dessa forma, um controle do que está sendo consumido por jovens deve ser estabelecido. Teresa acredita que a responsabilidade não deve ser somente da família ou da escola, pois esse é um problema que extrapola o âmbito doméstico. “Não podemos isentar as empresas, as plataformas digitais, os criadores de conteúdo on-line, os responsáveis pela elaboração de políticas públicas, os influenciadores digitais; enfim, todos têm o dever e a responsabilidade na criação de uma cultura digital de qualidade”, discute ela. 

Cada vez mais acredita-se que as crianças precisam ser protegidas “na internet” e não “dá internet”; ou seja, é preciso haver um conjunto de esforços para tornar o ambiente digital – que originalmente foi pensado para adultos – em um local ético e seguro para crianças e adolescentes.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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