Coalizões políticas podem ser formadas e manejadas de acordo com as propostas do presidente

Joyce Hellen Luz analisa como são formadas e manejadas as coalizões, tão importantes para o andamento de planos políticos

 22/08/2023 - Publicado há 8 meses
As coalizões continuam sendo feitas para possibilitar a governança – Foto: Hua Lin via Flickr – CC
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Um estudo de doutorado do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP analisa o sistema de coalizões no sistema presidencialista brasileiro. A autora da tese, Joyce Hellen Luz, rastreia o período de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, até o final do segundo mandato do presidente Lula, em 2010.

Joyce Hellen Luz – Foto: dcp.fflch

“O que o estudo mais chama a atenção é para justamente como é que o presidente vai construir os acordos nessa coalizão, porque a gente tem uma visão muito influenciada pela mídia e pelo senso comum de que os partidos, que não só o do presidente, estão ali na base governista querendo somente cargo e recurso, querendo só acesso a cargos que inclusive possam vir a facilitar esse partido conseguir mais recursos para distribuir entre os seus deputados ou para seus redutos eleitorais”, explica a pesquisadora.

Em seu trabalho, Joyce busca desconstruir essa visão. “Quando o presidente decide convidar partidos para fazerem parte da sua coalizão, entra em negociação também o conteúdo da política para além do Ministério que o partido vai ganhar, o presidente pensa muito também em qual política ele está entregando na mão desse partido.”

Além disso, ela diz que, quando um presidente tem um plano político para o país, ele busca concentrar em seu próprio partido as pastas ministeriais para colocar esse plano em prática, e exemplifica sua fala a partir dos presidentes que estudou durante sua pesquisa. “O Fernando Henrique veio em 1995 com uma proposta muito forte de melhorar a economia, isso muito influenciado pelo Plano Real, e ele concentrou ao longo dos seus oito anos de mandato todos os Ministérios que diziam respeito e perpassavam ali pelo controle da política econômica, ele não abriu mão desses Ministérios para outros partidos, e o presidente Lula também fez a mesma jogada. Ele concentrou nas suas mãos não os Ministérios ligados à economia, mas os Ministérios ligados às políticas sociais.”

Mesmo com essa tendência, as coalizões continuam sendo feitas para possibilitar a governança. “Por mais que o presidente vá controlar algumas pastas, algumas políticas em suas mãos, ele também precisa abrir mão de outras políticas para que os partidos possam apoiá-lo”, complementa Joyce.

O outro lado

As coalizões precisam beneficiar também o lado dos partidos, como afirma Joyce. “Quando um partido aceita o Ministério, é lógico que, para além da importância do recurso dos cargos que esse Ministério carrega, o partido dele também pensa na política que ele pode produzir ali dentro e que pode ajudar a contribuir para que ele consiga conquistar mais o teu eleitorado ou conquistar um eleitorado novo.”

A pesquisadora traz o exemplo do PSL e do PMDB. “Eles tinham rixas, tinham disputas por políticas mais concentradas ali na região Nordeste e essas políticas, o controle sobre Ministérios e até sobre cargos de segundo escalão que de certa forma têm influência na política dessa região, não eram só para conseguir fazer uma política pública específica para esse eleitorado, mas era também uma forma de conseguir levar recursos para essas regiões, para alimentar de certa forma as suas estruturas partidárias e já existentes.” Os partidos, nessa empreitada, buscaram criar alianças políticas locais pensando em eleições futuras.

Um dos pontos fortes apresentados por Joyce é o outro lado das intenções partidárias. “Será que todo partido adota a estratégia de, quando entra no governo, conseguir recursos para manter as alianças locais ou será que tem outros partidos, também da coalizão, que querem fazer políticas, que não necessariamente estão tão preocupados com essa manutenção eleitoral?”, questiona.

Dificuldades atuais

Um dos temas que percorre o estudo das coalizões é a existência do chamado Centrão. No entanto, de acordo com Joyce, “o Centrão já é um outro momento que nasce em consequência da não formação de um governo de coalizão”.

O governo anterior, de Jair Bolsonaro, fortaleceu o Centrão e estabeleceu dificuldades que são enfrentadas pelo governo vigente. “Bolsonaro decidiu não formar um presidencialismo de coalizão, não distribuir pastas ministeriais para os partidos do interior do Congresso, e aí esse grupo do centro, que é um grupo suprapartidário, formado por parlamentares de vários partidos, surge como base de apoio para o ex-presidente e é uma base de apoio orientada pela liberação de recursos.”

Atualmente, no terceiro mandato de Lula, há uma tentativa de retomada da prática do presidencialismo de coalizão, mas com dificuldades impostas pelo Centrão. “Hoje, a maior dificuldade do presidente Lula é justamente tentar adequar esse grupo que é o Centrão ao presidencialismo de coalizão, mas esse grupo não tem a principal característica para entrar no governo de coalizão, que é ter partido. No Centrão nós não temos esse grupo coeso, nós temos parlamentares, cada um quer uma direção, cada um quer uma política, cada um quer um cargo, e é difícil que o presidente consiga agradar a todos”, conclui.


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