Peças para piano de Alexandre Levy são recuperadas e gravadas

Projeto coordenado por professores da USP disponibiliza gratuitamente na internet a obra pianística do compositor paulistano

 30/08/2022 - Publicado há 2 anos
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O compositor Alexandre Levy – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Com um concerto transmitido ao vivo pela plataforma Youtube, no dia 21 passado, foi lançado o Projeto Levy, iniciativa de professores da USP que levou à recuperação, gravação e divulgação de 23 obras para piano do compositor brasileiro Alexandre Levy (1864-1892). Essas obras já estão disponíveis gratuitamente no Youtube (clique aqui para acessar). Entre elas estão Fosca – Fantasia Sobre Temas da Ópera de Carlos Gomes (Opus 3), Romance Sem Palavras (Opus 4, Número 1) e Pensée Fugitive (Opus 4, Número 3).

Oficialmente intitulado Estudo e Registro Fonográfico da Obra Pianística de Alexandre Levy, o Projeto Levy é coordenado pelo professor Eduardo Monteiro e pela professora Luciana Sayure, ambos do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. A partir de 2014, Monteiro e Luciana se dedicaram à busca em diferentes acervos, à análise, à identificação e à catalogação das composições de Levy para piano. O trabalho resultou na seleção das 23 peças autênticas do compositor, que foram gravadas em estúdio por uma equipe de 30 pianistas, todos eles alunos de graduação e de pós-graduação ou egressos do Departamento de Música da ECA – entre eles o pianista Cristian Budu. No dia 11 passado, as gravações foram disponibilizadas no Youtube.

O Projeto Levy inclui ainda a publicação de um livro da série Pesquisa em Música, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (Anppom), ainda sem data de lançamento definida. Nesse livro, os professores da ECA vão trazer informações inéditas sobre a vida do compositor e a catalogação da sua obra pianística. “Fizemos um estudo aprofundado para listar as obras de Levy”, conta a professora Luciana. “Encontramos muitos equívocos em listas anteriores: partituras dadas como perdidas, uma mesma peça com nomes diferentes e várias outras inconsistências, que contribuímos para desfazer.”

Num dos capítulos do livro, Monteiro e Luciana Sayure analisam o diário de viagem de Levy na Europa, documento que nunca havia sido estudado. “Ele estava feliz da vida e se movia com desenvoltura na sociedade parisiense”, adianta Monteiro, que aproveita para desmentir informações sobre essa viagem. De acordo com a historiografia musical brasileira, Levy só não teria ficado definitivamente na França porque sentiu saudades do Brasil ou porque, tendo saúde frágil, um médico recomendou que ele voltasse para o seu país natal. “Isso tudo é falso, uma tentativa de criar uma narrativa romântica de ‘artista sofredor’”, rebate o professor. “Ele nunca foi para a Europa com a intenção de ficar, e passou somente três meses viajando, como tinha previsto. A mãe dele nem queria que ele fosse. Uma das condições para a viagem é que ele não demorasse a retornar.”

“Muitos compositores brasileiros — para não dizer a maioria ou até todos — sofrem com algum problema em relação ao seu legado, material e catálogo”, diz Eduardo Monteiro. “Nós temos dificuldade para acessar até mesmo algumas peças de Heitor Villa-Lobos, que é o mais famoso compositor brasileiro. Imagine, então, o esforço necessário para encontrar obras de compositores de menor destaque.” A pesquisa de Monteiro e Luciana teve apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e do Instituto Piano Brasileiro (IPB).

Assista no link abaixo ao concerto de lançamento do Projeto Levy, realizado no dia 21 de agosto de 2022, na Sociedade Brasileira de Eubiose, em São Paulo.

O professor Eduardo Monteiro – Foto: Reprodução/USP

Folclore e música popular

Filho do imigrante francês Henrique Luiz Levy e irmão de Luís Levy, ambos músicos, Alexandre nasceu na cidade de São Paulo, em 1864, e iniciou sua carreira musical aos 8 anos de idade, por influência familiar. Seu pai fundou a Casa Levy de Pianos e Música, uma das mais tradicionais lojas de instrumentos musicais da capital paulista. O estabelecimento trocou de endereço algumas vezes desde sua inauguração, em 1860, e atualmente está localizado na Rua Girassol, 812, na Vila Madalena, em São Paulo.

A convivência com os artistas que frequentavam a loja de seu pai estimulou Levy a publicar suas próprias composições ainda muito jovem, e aos 19 anos o pianista se tornou diretor do Clube Haydn de São Paulo, congregação musical que ele havia cofundado em 1883. O grupo, que foi a primeira associação dedicada à música clássica em São Paulo, ajudou a popularizar o gênero musical na cidade através dos concertos sinfônicos regulares que promovia, nos quais apresentava, principalmente, obras de compositores austro-germânicos. Sinfonias de Haydn, Mozart e Beethoven — até então inéditas no Brasil — estiveram presentes nos mais de 30 concertos promovidos pelo grupo durante seus cinco anos de existência. Em 1887, a associação encerrou suas atividades, pouco antes de Levy viajar à França e à Itália para aprofundar seus estudos em música.

A professora Luciana Sayure – Foto: Reprodução/USP

Levy foi um dos primeiros compositores a incluir elementos da cultura popular e folclórica brasileira em suas obras. Na peça Variações Sobre um Tema Popular Brasileiro, por exemplo, o artista se baseou na cantiga infantil Vem Cá, Bitu para compor a melodia. Os arranjos Tango Brasileiro e Suíte Brasileira — em especial o quarto movimento deste segundo, chamado Samba, que inclui interpolações das músicas populares Se Eu Te Amei e Balaio, Meu Bem, Balaio — também se destacaram por seus temas nacionalistas.

“Ele apresentou uma vez o Samba no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o que foi de uma ousadia, de uma relevância histórica tremenda. Levar uma música de temática negra para um ambiente tão elitizado mostrou um posicionamento estético muito significativo da parte de Levy. Na época, vários críticos disseram que a obra fez muito sucesso, apesar de não ser apropriada àquele espaço”, conta Monteiro.

Parte considerável de obras de Levy foi deixada apenas em manuscrito e nunca havia sido gravada. Além de peças para piano, ele é autor de música orquestral, como a Sinfonia em Mi Menor, o poema sinfônico Comala e a Suíte Brasileira, música de câmara, como o Quarteto de Cordas e o Trio em Si Bemol, e até música vocal, como Aimons e De Mãos Postas, ambas com letra do poeta Horácio de Carvalho.

Ouça no link abaixo a música Impromptu-Caprice Opus 1, de Alexandre Levy, interpretada pelo pianista Ariã Ai Yamanaka, em gravação para o Projeto Levy.

Alexandre Levy morreu de maneira súbita em janeiro de 1892, sem nenhuma doença aparente. Anos depois, em 1945, a herança deixada pelo pianista ao cenário da música nacional foi reconhecida e Levy se tornou patrono da cadeira de número 36 na Academia Brasileira de Música (ABM), fundada por Heitor Villa-Lobos.

As gravações das 23 peças para piano de Alexandre Levy estão disponíveis na plataforma Youtube (clique aqui para acessar). 


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