Livro examina relação entre ópera e literatura no Segundo Reinado

Lançado pela Editora da USP, “Ópera Flutuante” investiga romances e a sociedade fluminense do século 19

 13/04/2023 - Publicado há 1 ano
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Quadro A Coroação de D. Pedro II (c. 1845), de Manuel de Araújo Porto-Alegre – Foto: Domínio Público

A ópera marcou a sociedade fluminense durante o Segundo Reinado. Os espetáculos moldaram o cenário cultural da época e impactaram mais a literatura brasileira do que as tradições do teatro lírico local. Essa é uma das intuições com a qual Marcelo Diego inicia o livro Ópera Flutuante: Teatro Lírico, Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro do Segundo Reinado, que acaba de ser lançado pela Editora da USP (Edusp).

O conceito de ópera flutuante caracteriza a segunda intuição do autor. Diego acredita que essa música “desenraizada, protagonizada por companhias itinerantes com repertórios sazonais”, é central para a formação do gênero romance no Brasil. O modo discursivo da ópera é espelhado pelos livros. Ambos promovem experiências narrativas imersivas e possuem algo que medeia a relação da obra com o receptor, seja a música, seja a narração.

Ao longo da obra, o escritor reconstrói um Rio de Janeiro no qual teatros estavam sendo construídos e novos artistas se apresentavam, além de recuperar romances escritos no período para analisar o modo como a ópera estava presente neles.

A obra está dividida em três atos que progridem cronologicamente. A primeira se passa na década de 1840, quando uma companhia italiana de ópera se instalou no Estado. Poucos dias depois do desembarque dos artistas, o Teatro de São Pedro de Alcântara fechou um contrato com o grupo. A ópera Norma (1831), de Vincenzo Bellini, foi a mais popular da década e seus ecos são ouvidos em obras de Martins Pena, Joaquim Manuel Macedo e Machado de Assis.

Na peça O Diletante: Tragifarsa em Um Ato (1845), de Martins Pena, há uma menção direta à ópera Norma (1831), de Vincenzo Bellini (1801-1835), além de semelhanças com seu enredo, que é apropriado de forma paródica, segundo Diego. Em O Moço Loiro (1845), de Joaquim Manuel Macedo, há equivalências estruturais, com o primeiro capítulo funcionando como uma overture, ou seja, a abertura da ópera, e também referências a discussões do período sobre a preferência do público pelas cantoras Clara Delmastro ou Augusta Candiani. 

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), há passagens em que o humor ácido se mistura com a malícia feminina comum no teatro de ópera. Além disso, os personagens de Machado mencionam e frequentam a ópera.

Ainda na década de 1840, o repertório da companhia italiana se desgastou. Então novos títulos foram montados, dentre eles o popular Ernani (1844), de Giuseppe Verdi (1813-1901). A ópera não teve repercussões políticas no Brasil, ao contrário do que aconteceu na Itália, onde ela formou “a paisagem sonora em que se deram as batalhas que culminaram com a aclamação de Vittorio Emanuele II (1820-1878) como rei da Itália, em 1861”. Aqui, sua presença só foi registrada na literatura. 

José de Alencar criou o personagem Paulo, em Lucíola (1862), que desempenha o papel do protagonista da ópera. Já Machado de Assis colocou na boca do personagem principal de Memorial de Aires (1908) uma citação do terceiro ato de Ernani. A ópera também foi mencionada em A Mão e a Luva (1874), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Sonhos d’Ouro (1872) para caracterizar membros da elite fluminense.

A Ópera Nacional

A segunda parte do livro acompanha o Rio de Janeiro nas décadas de 1850 e 1860, durante a consolidação do circuito lírico. Diego começa o capítulo relatando a interrupção da temporada de óperas devido à epidemia de febre amarela e a um incêndio no Teatro São Pedro de Alcântara. A partir daí a cena lírica se renova e o Teatro Lírico Fluminense se torna a nova casa dos espetáculos.

Segundo Diego, a ficção de José de Alencar revela proximidade do autor com o teatro lírico. Em uma de suas peças, Demônio Familiar (1858), o elo entre a escravidão e a cultura da ópera atravessa a trama. A narrativa evidencia como o uso da mão de obra escravizada permitiu a construção de uma elite ociosa e como a riqueza produzida por essa exploração permitiu a importação de bens culturais europeus.

Artistas, intelectuais e o governo brasileiros reivindicavam a construção de uma companhia lírica brasileira, o que resultou na criação da Ópera Nacional, em 1857. A iniciativa durou poucos anos, mas reuniu o corpo artístico local em torno da composição por seis anos. A primeira ópera genuinamente brasileira é A Noite de São João, escrita por Elias Lobo, com libreto de José de Alencar.

O último ato do livro se passa nas décadas de 1870 e 1880, quando a ópera estava em seu apogeu no Rio de Janeiro. Nessa parte, o autor se dedica a diferentes obras de Machado de Assis, considerado por ele “o escritor que pintou o quadro mais vivo da cena lírica no Rio de Janeiro do Segundo Reinado”. 

Ópera Flutuante – Teatro Lírico, Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro do Segundo Reinado, de Marcelo Diego, Editora da USP (Edusp), 328 páginas, R$ 62,00

Capa do livro que acaba de ser lançado pela Editora da USP (Edusp) – Foto: Reprodução/Edusp

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