A vida na atualidade não parece ser tão simples quanto aquela que é retratada nos comerciais. Rotinas corridas e cansativas podem gerar altos índices de estresse e levar a outros problemas que comprometem a saúde mental. Não é por menos que dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a ansiedade e a depressão são os dois transtornos mentais mais comuns no mundo. Juntas, as duas doenças custam mais de US$ 1 trilhão para a economia global.
Tendo como tema central de estudo a estruturação de métodos de avaliação e promoção do bem-estar da população brasileira, a proposta do Centro de Pesquisa Aplicada em Bem-Estar e Comportamento Humano é bem diferente. Inaugurado no final de junho, a iniciativa é da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em conjunto com a Natura, empresa privada do setor de cosméticos. Contando com uma rede de pesquisadores de três universidades paulistas – USP, Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo) e Universidade Presbiteriana Mackenzie – a sede está localizada na Cidade Universitária, no Instituto de Psicologia (IP) da USP.
O projeto é o primeiro Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) e PITE (Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica) da Fapesp na área de Humanidades. Como conta Emma Otta, docente do IP e uma das coordenadoras do centro, as pesquisas realizadas têm como objetivo o desenvolvimento de indicadores de bem-estar, o estudo da expressão emocional e do reconhecimento de emoções e a promoção de bem-estar em contexto individual, familiar e social. De acordo com ela, as investigações são realizadas a partir de dois pilares principais: a psicologia e a neurociência. “Resumidamente, a psicologia estuda o comportamento e as suas causas. Já a neurociência estuda o funcionamento do cérebro e como ele afeta o nosso corpo”, explica.
Para a professora, na visão da psicologia, o conceito de bem-estar envolve duas dimensões: a avaliação da vida, que se refere aos pensamentos que as pessoas têm quando refletem sobre suas condições de habitação, alimentação, saúde, educação e segurança; e o bem-estar emocional, que diz respeito à qualidade emocional da experiência cotidiana – frequência e intensidade das experiências de alegria, estresse, tristeza, raiva e ternura – que torna a vida agradável ou desagradável.
Ela afirma que, de acordo com os indicadores de bem-estar criados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil, se comparado aos demais países, apresenta algumas áreas de relativa força e outras de relativa fraqueza quando o assunto é bem-estar. “Entre as áreas de fraqueza está a segurança pessoal: a taxa de homicídios no Brasil é seis vezes maior que a média da OCDE e apenas 39,5% dos brasileiros sentem-se seguros em andar sozinhos à noite em comparação com a média de 68,3% da OCDE”, diz. “Por outro lado, em termos de apoio percebido da rede social, 90% dos brasileiros disseram ter amigos ou parentes com quem contar em situações de dificuldade, acima da média de 88% da OCDE.”
As pesquisas desenvolvidas no centro tomam como base estudos realizados internacionalmente e procuram adequar esses conhecimentos à cultura brasileira, detalhando os indicadores de bem-estar subjetivo. Todas os resultados serão divulgados por meio de artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Além disso, o financiamento do centro é aplicado exclusivamente em pesquisas e na formação de recursos humanos. Considerando os custos de sua implantação e da condução de suas atividades por dez anos, será necessário um total de R$ 40 milhões em investimentos, dos quais R$ 20 milhões serão divididos igualmente entre a Natura e a Fapesp e os outros R$ 20 milhões serão desembolsados como contrapartida pelas universidades, para pagar salários dos pesquisadores e infraestrutura.
Emma destaca que a iniciativa é um importante passo para a psicologia brasileira e para o papel de liderança da USP. “Há menos pesquisa sobre felicidade e bem-estar do que sobre ansiedade e depressão, e menos pesquisa sobre emoção e estados de ânimo do que sobre processos cognitivos ‘frios’, como atenção, percepção, memória e solução de problemas”, afirma. “Isto não reflete a importância desses assuntos na vida das pessoas, e sim a história da psicologia e a priorização de temas de investigação pelas correntes que representavam o mainstream acadêmico: o behaviorismo, a psicologia cognitiva e a neurociência cognitiva.”
Além do significado das pesquisas para o meio acadêmico, a professora explica que esses estudos também têm potencial para serem aplicados nas áreas de saúde, educação, trabalho e desenvolvimento da sociedade. Ela diz que ensinando as pessoas a fazerem escolhas que promovam seu bem-estar e sua saúde, é possível encontrar soluções que diminuam o custo econômico das doenças para o governo. “Hoje a psicologia mudou no cenário internacional e o estudo da emoção passou de figurante a protagonista”, afirma. “Estamos seguindo a agenda da psicologia, como ciência e como profissão, para o novo século.”