Cães que observam demonstrações de outros cães realizando uma tarefa – que eles mesmos não conseguiam realizar sozinhos – acabam assimilando o que deve ser feito. E quanto mais a atividade é treinada, mais proficientes eles ficam na tarefa. É o que mostrou um estudo de aprendizagem social com cachorros, realizado por pesquisadores do Instituto de Psicologia (IP) da USP e do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da UNIFESP.
O artigo Do Emotional Cues Influence the Performance of Domestic Dogs in an Observational Learning Task? foi publicado na revista internacional Frontiers in Psychology e descreve o processo de aprendizagem de 46 cães em uma tarefa chamada “desvio em V”. O experimento contou com a participação dos tutores dos animais e de uma demonstradora desconhecida deles. Além disso, o estudo buscou analisar a interferência de diferentes emoções na aprendizagem social.
O experimento começou com uma fase de pré-teste, em que os cães tentaram sozinhos realizar a atividade, que só seria considerada um sucesso caso o cão chegasse até o pote de comida ao passar pelo obstáculo (uma cerca no formato em V). A pesquisadora Natalia Albuquerque descreve essa primeira etapa: “com o pote com comida dentro no local do teste, o(a) tutor(a) levava o cachorro até a ponta exterior da grade, mostrando que tinha uma comida do outro lado. Na hora que o cão se mostrava motivado, desejando aquela comida, a pessoa retornava à posição inicial e soltava o cachorro”. Ao observar o comportamento dos animais, o experimento avaliou que, como previsto, os cães não conseguiram realizar a atividade sozinhos.
Após o pré-teste, o tutor e seu cão saíram da área para que a demonstradora Erica Takahashi pudesse entrar na sala. Logo após, começou a segunda fase de demonstração emocional. Nessa fase, a demonstradora interagiu com o tutor de forma negativa, positiva ou neutra. O objetivo era avaliar se diferentes cargas emocionais poderiam interferir na aprendizagem social. Três a cinco minutos depois, a demonstradora exercia a atividade de desvio em V.
O cão, então, era solto para que tentasse realizar a tarefa, o máximo de tentativas era dez. “Gravamos tudo em vídeo e depois analisamos, segundo por segundo, quadro a quadro, o que estava acontecendo para saber se o cão foi pra direita ou foi pra esquerda, se o cão cheirou a grade, se ficou perto do tutor ou se ficou desinteressado com a atividade”, descreve a pesquisadora.
Segundo Natalia, a avaliação também considerou o tempo do cachorro chegar até a grade, chamado de latência, e se o animal escolheu o mesmo lado da demonstradora, chamado de matching. Para ter sucesso, o cão precisava chegar até o pote dentro de 30 segundos.
Um fator de persistência e um fator de distração também foram levados em conta. Como explica Natalia, o fator de persistência se refere ao caso do cão, no lugar de fazer o percurso, “ficar cavando na frente da grade, com o focinho através da grade, tentando pegar a comida dessa forma”. O fator de distração, por outro lado, avaliou se interferências externas poderiam desconcentrar o cão durante a atividade, como a passagem de um pássaro ou algum barulho de fora. “Isso foi bem interessante de testar, porque são fatores que, geralmente, não são analisados em estudos de comportamento. Nós consideramos ser muito importante levar isso tudo em conta.”
Os resultados da pesquisa mostraram que, de fato, a atividade era um exemplo de aprendizagem social. “Ao longo dos testes, os cães ficaram bem mais rápidos e tiveram mais sucesso no final das dez tentativas. Na medida em que eles observavam a demonstração, estavam aprendendo e a tarefa ficou fácil”, descreve Natalia. Os pesquisadores esperavam que quando a demonstradora realizasse um percurso, os cães também fariam da mesma forma. No entanto perceberam que na verdade o cachorro não repetiu o comportamento da demonstradora. Segundo Natalia, isso ocorreu porque “o cachorro não estava simplesmente imitando a demonstradora, mas a demonstradora fez com que ele entendesse a tarefa”.
“Não é que o cão está imitando o comportamento, mas ele, de alguma forma, está entendendo que no final daquele percurso, ele vai conseguir a comida e ele usou de seus próprios meios para fazer isso”, aponta Natalia Albuquerque.
Apesar de o experimento não ter comprovado a influência das diferentes emoções na aprendizagem social, a pesquisadora ainda aposta na possibilidade de que futuros estudos na área possam demonstrar os efeitos das emoções nesse tipo de contexto.
Mais informações: e-mail nsalbuquerque@usp.br