Representatividade feminina precisa ser acompanhada de pautas em favor da igualdade de gêneros

Ter uma mulher no Congresso Nacional não significa que ela vai representar pautas que são caras à justiça para as mulheres e no combate à desigualdade

 14/10/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 04/11/2022 as 15:46
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Fotomontagem com imagens de Marcello Casal Jr/Agência Brasil e Freepik por Adrielly Kilryann/Jornal da USP

 

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Neste episódio da série Mulheres e Justiça, a professora Fabiana Severi conversa com Regina Stela Vieira, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina, sobre a representatividade de raça e gênero no Congresso Nacional após as eleições do último dia 2 de outubro. 

O resultado do primeiro turno das eleições deste ano mostrou um aumento de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, que passou de 15% para 17,7%, com destaque para duas mulheres trans eleitas. Além disso, houve um número recorde de deputados de ambos os sexos que se autodeclararam pardos ou negros. 

Regina Stela Vieira – Foto: Reprodução/Academia.Edu

Segundo a professora Regina, diversas análises foram realizadas sobre os resultados das eleições do último dia 2 e vários pontos foram questionados. Baseada nas análises da revista Piauí, do jornal O Globo e do podcast Medo dele ir em Brasília, a professora diz que o primeiro questionamento foi com relação à questão de gênero. “Claro que o aumento de mulheres eleitas na Câmara dos Deputados é muito importante. Se em 1990 foram eleitas 30 deputadas, em 2022 esse número chegou a 91.” Para a professora, isso é fruto de muito empenho dos movimentos feministas e também da Lei 9.504 de 1997, conhecida como Lei de Cotas, que criou o porcentual mínimo de 30% de candidaturas por gênero. “Mas é muito importante dizer que há ainda um caminho bastante importante para ser trilhado, uma vez que as mulheres somam 52% das pessoas aptas a votar nas eleições de 2022, mas elegeram apenas 17% das cadeiras da Câmara.”

Regina diz que as candidaturas femininas ainda são muito instrumentalizadas, seja pela obrigatoriedade desses 30% nas candidaturas, o que acaba gerando um volume muito alto de candidaturas laranjas, que servem para cumprir a cota. “As próprias mulheres, muitas vezes, não fazem a sua própria campanha eleitoral e sim para outras pessoas do partido e servem como perpetuadoras de controles políticos oligárquicos de suas famílias em diversas regiões do Brasil.” Seja por outra questão levantada pela professora, de que, mesmo uma mulher sendo eleita, muitas vezes isso não significa representatividade. Regina dá como exemplo a deputada mais votada em 2022 para a Câmara Federal, Carla Zambelli, do PL, que é declaradamente antifeminista, armamentista e uma das maiores representantes do governo atual na Câmara. “Ter uma mulher ali não significa que ela vai representar pautas que são caras à justiça para as mulheres e de gênero, no combate à desigualdade, muito pelo contrário.”

Mas a professora destaca a renovação feminista e trans num momento de aumento dos episódios de violência e de desqualificação dos debates feministas. Dá como exemplo dessa renovação a eleição da primeira travesti em São Paulo, Erika Hilton, com uma votação extremamente importante. 

Com relação à raça, a professora diz que a eleição para a Câmara Federal aponta também graves problemas, como, por exemplo, o fato da população brasileira ser composta de 56% de pardos e negros, mas só 26% das cadeiras da Câmara Federal este ano foram ocupadas por esse grupo. “Tivemos um grande problema em 2022, muitos candidatos que antes se declaravam brancos passaram a se declarar pardos ou negros; o caso mais em evidência foi do ACM Neto para o governo da Bahia, mas isso também ocorreu nas eleições para deputado federal. Partidos que historicamente não pautam debates sobre racismo estrutural, como o PL, por exemplo, foram os que mais elegeram representantes não brancos.” 

Para a professora, “esses acontecimentos acendem um sinal de alerta, pois pode ser uma estratégia desses partidos, uma vez que as candidaturas de pessoas negras passaram a ser contabilizadas de forma dobrada para a distribuição do fundo partidário e também houve a obrigatoriedade do aumento do tempo de propaganda eleitoral para esse grupo. O aumento da autodeclaração pode ter correlação com interesses partidários e não com pautas antirracistas exatamente.”

Quanto ao Senado Federal, dos 27 senadores eleitos este ano, apenas quatro mulheres venceram as disputas nos Estados. O número de cadeiras ocupadas por mulheres caiu de 12 para 10 e somente uma mulher que se autodeclara parda, nenhuma negra. Para a professora Regina, esse é um caso chocante, e é importante que se atente para o fato de que a maioria dos senadores e senadoras eleitos “representam um projeto de país muito específico, de aniquilamento das pautas de diversidade.” 

A professora ainda ressalta que essa realidade é triste, não só para as pautas feministas e antirracistas, “mas também para pautas do meio ambiente, da educação e de investimento social e, também, para a própria democracia”.

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira - Apoio: Acadêmica Sabrina Sabrina Galvonas Leon - Faculdade de Direito (FD) da USP Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br

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