Parada LGBT+ em Ribeirão Preto reacende debate sobre participação de crianças nesses eventos

Para a psicóloga, especialista em gênero e sexualidade, Letícia Boffi, respeitando-se a compreensão cronológica de cada indivíduo, a parada pode ser uma jornada individual de descobertas e pertencimentos

 16/08/2023 - Publicado há 9 meses
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O organizador da parada LGBTQIAPN+ em Ribeirão Preto enfatiza que o objetivo do evento é reafirmar o compromisso com a luta contra qualquer tipo de discriminação – Foto: Pixabay
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A 19ª edição da Parada LGBTQIAPN+ acontecerá no próximo domingo, 20/8, em Ribeirão Preto, e traz à tona um debate que se iniciou em junho, durante a Parada LGBTQIAPN+ de São Paulo, e ganhou as redes sociais: a participação de crianças no evento. 

A Parada LGBTQIAPN+ na capital paulista foi alvo de críticas, que se intensificaram quando as mídias sociais ficaram lotadas de fotos de crianças trans que carregavam cartazes com a mensagem “crianças trans existem”. Mesmo com a polêmica, em Ribeirão Preto não haverá impedimentos para que crianças acompanhadas pelos responsáveis participem do evento, segundo os organizadores. 

Fábio de Jesus da Silva, presidente da ONG Arco, colaborador das Secretarias da Prefeitura de Ribeirão Preto para a organização da 19ª edição da Parada LGBTQIAPN+ na cidade, expressou a importância do evento como um espaço de inclusão e respeito para todas as pessoas e em todas as idades. “Existe alegria, euforia, apresentação de artistas e discussões sobre a lutas por políticas públicas para a comunidade.” 

Silva enfatiza que o objetivo da Parada LGBTQIAPN+ é reafirmar o compromisso com a luta contra qualquer tipo de discriminação, além de promover o respeito à diversidade e a construção de políticas afirmativas para a população LGBTQIAPN+. 

Momento de pertencimento e acolhimento

Fábio de Jesus da Silva – Foto: Arquivo Pessoal

Para a doutoranda em psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, com enfoque em gêneros e sexualidades, Letícia Boffi, a participação de uma criança numa parada LGBTQIAPN+ pode ser um momento de pertencimento e acolhimento. “Pode ser  complicado para a criança que se percebe fora do aspecto cisheteronormativo, ou seja, aquela que não se identifica com o sexo biológico e nem se sente atraída pelo sexo oposto, entender, reconhecer e aceitar que ela é diferente das normas tradicionais e culturais da sociedade.” 

E essas normas, diz Letícia, podem ser por causa dos contextos midiáticos, dos dogmas das instituições religiosas, das crenças familiares e até mesmo do ambiente escolar. “Elas não vão se sentir acolhidas, mas sim julgadas, por isso a importância do contato da criança com a comunidade LGBTQIAPN+ e fora da cisheteronormatividade, pois a criança pode encontrar o apoio e suporte de pessoas que também não se encaixam nos modelos tradicionais, e que já enfrentaram situações similares. A parada se transforma não apenas em um movimento social, mas também em uma jornada individual de descobertas e pertencimentos.”

Controvérsias

Na contramão do que acontece em Ribeirão Preto, em algumas regiões do País, projetos que proíbem e inibem a participação infantil nas paradas já foram propostos, como em Betim, Minas Gerais, por exemplo. Nessa cidade, um projeto de lei teve 13 votos a favor e nenhum contra para a proibição de crianças na Parada LGBTQIAPN+, com a justificativa de que crianças e adolescentes expostos a esses eventos podem ter “dificuldades” em discernir aspectos da sexualidade humana. 

Com esses dois cenários, a discussão continua. Para o policial científico Ricardo (nome fictício), a participação de crianças nesses desfiles permite contato com as possíveis atitudes desinibidas de alguns participantes, o que pode aflorar a sexualidade de forma precoce. “A criança deve ser criança, ela não pode estar sendo exposta a um conteúdo de sexualidade.” Para o profissional, cada estágio de crescimento determina a maturidade necessária para lidar com diferentes situações. Ele comenta ser na fase adulta, na qual o indivíduo é livre para escolher, o momento mais recomendado para participar de uma parada, “porque a formação física e cognitiva já está concluída”.

Everton Luiz dos Reis – Foto: Arquivo Pessoal

Já para o advogado Everton Luiz dos Reis, presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Subseção de Ribeirão Preto, as justificativas sobre a sexualidade nas paradas velam o preconceito à comunidade. Ele compara a parada LGBTQIAPN+ ao Carnaval: “a minha família participou do Carnaval desde que eu era bem pequeno e eu me recordo muito bem das fantasias, tanto de homens quanto de mulheres, quase sempre seminus, e adultos utilizando bebidas alcoólicas e drogas ilícitas, e todo o apelo sexual, mas ninguém nunca falava sobre isso”.

Para Everton, é importante frisar a hipocrisia de levar uma criança para o Carnaval, mas abominar alguém que leva uma criança para a parada LGBTQIAPN+ devido à conotação sexual. “É aí que entra o preconceito contra a comunidade, tendo em vista que tudo que uma pessoa LGBT+ faz vai ser taxado como doentio ou promíscuo.” Ele ainda comenta que este estigma é usado para deslegitimar a luta a favor dos direitos iguais. “Crianças e adolescentes que são ou não são LGBTs precisam aprender a lidar com as diferenças que a bandeira levanta”.

Direitos da criança e do adolescente

O representante da OAB em Ribeirão Preto lembra que perante à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o público infantil tem seus direitos e, portanto, devem ter suas liberdades asseguradas, sendo uma delas o direito à pluralidade. “O ECA garante à criança o espaço para manifestar livremente seu pensamento de diversas formas, incluindo opinião, expressão, crença religiosa e participação na vida familiar e comunitária, sem discriminação. Além disso, o direito à educação e à informação é pautado de forma democrática, inclusiva e diversa, incentivando as singularidades e abordando as pluralidades que desafiam as crianças a saírem de suas zonas de conforto.”

Letícia Boffi – Foto: Arquivo Pessoal

Já Ricardo acredita que a diversidade deve estar sempre presente, mas discorda que a Parada LGBTQIAPN+ seja o lugar certo para aprender sobre ela. “A criança deve ter contato com a diversidade, mas ela também deve evitar lugares e eventos onde possam haver atitudes que afloram sua sexualidade, o que pode acarretar possíveis incômodos, traumas ou dúvidas.”

A psicóloga Letícia diz que não existe uma faixa etária específica para apresentar os diferentes tipos de casais para o público infantil. “É importante apresentar a diversidade, mas sempre respeitando a compreensão cronológica de cada indivíduo.”  

Para a profissional, devem ser apresentados conteúdos, materiais didáticos e desenhos adequados para cada faixa etária, que tratem sobre famílias homoafetivas, pessoas trans e outras famílias diversas que não se encaixam na heteronormatividade. “A normalização dessas questões proporcionará ao público infantil a percepção de que essas realidades representam apenas mais um modo de vida.”

Contatada pelo Jornal da USP no Ar, Edição Regional, a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto não respondeu às solicitações feitas para esclarecimentos sobre a participação do público infantil na 19° edição da Parada LGBTQIAPN+ em Ribeirão Preto.

*Estagiária, com orientação de Ferraz Junior  e edição de Rose Talamone


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