Falta de conhecimento sobre novas substâncias atrasa desenvolvimento de fármacos

Segundo Julieta Mieko Ueta, a origem das substâncias para pesquisa, visando ao uso da população com finalidades farmacoterapêuticas, deve obedecer os preceitos e garantia de qualidade

 29/05/2023 - Publicado há 11 meses
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O preconceito com substâncias psicodélicas pode atrasar o aparecimento de novos fármacos – Foto: Ri Butov/Pixabay
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O preconceito é uma opinião formulada sem a devida reflexão, sem ter lógica ou fundamento crítico, que é expresso por meio de atitudes discriminatórias para com outras pessoas, para tendências de comportamento, crenças e sentimentos. Essa definição sobre preconceito, encontrada em dicionários, é usada pela professora Julieta Mieko Ueta da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP para explicar como o preconceito direcionado à produção e à pesquisa de novos fármacos, a partir de substâncias utilizadas como drogas recreativas, pode acarretar um atraso científico e no bem-estar da sociedade.

Julieta Mieko Ueta – Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisa, a produção e até mesmo o uso de fármacos formulados a partir de substâncias psicodélicas ainda sofrem com o preconceito de parcela da população devido à falta de conhecimento sobre aquela substância, muitas vezes vista apenas como drogas ilícitas. Os estudos com essas substâncias tiveram início na década de 1920 e quase cessaram nas décadas de 1970 e 1980, devido a determinações governamentais em todo o mundo durante o movimento hippie, voltando à tona na década de 1990, com mais de 700 publicações científicas, segundo dados da Web of Science.

Durante o processo de desenvolvimento de novos medicamentos, existem várias substâncias que sofrem preconceito, como, por exemplo, o LSD, uma droga alucinógena vinda de um fungo, a psilocibina, um alucinógeno vindo do cogumelo, o canabidiol, extraído da maconha, e a mescalina, alucinógeno extraído de um fruto de cactus, que têm mostrado atividade farmacológica em pesquisas científicas. “Importante é entender que um fármaco é uma substância química de origem vegetal, animal ou sintética que pode eventualmente ter um efeito farmacológico, farmacoterapêutico, que seja útil para a sociedade”, explica Julieta.

Qualidade e benefícios

A origem das substâncias para pesquisa, visando ao uso da população com finalidades farmacoterapêuticas, segundo Julieta, deve obedecer os preceitos e garantia de qualidade que permitam que o produto que seja utilizado por uma população seja seguro. A professora defende que, ao existir esse preconceito por parte da população, é responsabilidade das autoridades garantir que haja qualidade.

O início das pesquisas com fármacos psicodélicos tem mostrado a importância dessas substâncias no tratamento de pessoas com condições clínicas neurológicas e psiquiátricas. Segundo Julieta, esses produtos podem auxiliar as pessoas que convivem com esses transtornos. “Atualmente sabemos que o estresse pós-traumático, a depressão, a ansiedade, além da questão da epilepsia e outros quadros clínicos, podem ser controlados com o emprego de substâncias psicodélicas. Isso significa que o impacto da paralisação das pesquisas e o preconceito com as substâncias foi tremendo”, diz Julieta.

O preconceito expresso por uma sociedade contra uma determinada situação pode ser realmente forte, mas não quer dizer que os órgãos reguladores como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devam levar esse preconceito em consideração, mas, segundo a professora, considerar que ele não interfere é ilusão, como no caso do canabidiol, que teve estudos com a epilepsia iniciados no Brasil na década de 1970 e foi incluído na lista de substâncias de uso controlado da Anvisa somente em 2015. “A legalização do canabidiol para epilepsia infantil refratária, por exemplo, foi uma batalha muito grande para as pessoas que precisavam cuidar dos seus filhos”, afirma Julieta.

Acesso aos medicamentos

A professora diz que somente aqueles que possuem condições financeiras conseguem acesso ao fármaco devido ao alto custo. Porém, lembra que o Brasil é modelo no oferecimento de medicamentos inovadores de forma gratuita através do Sistema Único de Saúde (SUS), citando o caso do HIV. “Ofertar medicamentos para as pessoas que à época já tinham aids e que hoje são pessoas que são portadoras do vírus HIV foi uma evolução que sofreu preconceito, mas, com o SUS oferecendo medicamentos que as pessoas necessitam, eu acredito que nós nos tornamos um modelo que já dura um tempo”, diz Julieta.

Ser um país que impulsionou a questão da oferta de fármacos de alto custo à população para tratamento de doenças consideradas terríveis, segundo Julieta, parecia, à época, inconcebível para que uma política de governo pudesse se responsabilizar por isso. “Todo o processo sofreu e sofre com o preconceito, porém, hoje o acesso é gratuito, mas poderia não ser.”


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