Equilíbrio entre direitos e deveres é essencial para o exercício da cidadania

Especialistas da USP explicam que além dos direitos, o cidadão também tem seus deveres na sociedade, mas que ainda é preciso desenvolver essa cultura através da educação

 30/08/2023 - Publicado há 8 meses
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Todo direito está atrelado a um dever, mas muitas vezes isso não é levado em consideração – Foto: Freepik

 

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O roubo de fios de energia elétrica levou a Prefeitura de Ribeirão Preto a fechar uma unidade básica de saúde e a população do bairro ficou sem atendimento. No Rio de Janeiro, um pai e uma filha foram presos ao agredirem a médica de plantão e depredarem equipamentos da unidade de saúde porque não tiveram atendimento médico imediato; como consequência, uma paciente morreu de infarto pela falta de atendimento. Exemplos como esses são diários no Brasil e revelam a falta de percepção do cidadão no trato da coisa pública.

Daniel Pacheco Pontes – Foto: Arquivo Pessoal

Todo direito está atrelado a um dever, mas muitas vezes isso não é levado em consideração. É o que defende o professor Daniel Pacheco Pontes, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. “Uma pessoa que está doente tem direito de ser atendida no hospital, mas temos que lembrar que os recursos dos hospitais são limitados e que não necessariamente vai dar para atender tão rápido quanto a pessoa gostaria. Portanto, o cidadão tem o direito ao atendimento, mas tem o dever de aguardar sua vez.”

A vida em sociedade possui o bônus e também o ônus. Pontes diz que as pessoas que cumprem as leis tendem a ser mais beneficiadas do que prejudicadas e que, para o bom funcionamento da sociedade, é mais vantajoso respeitar seus deveres para ter acesso aos seus direitos. “A pessoa que furta fios de energia prejudicando, por exemplo, o atendimento de uma unidade de saúde está cometendo um crime e sendo egoísta. Se cada um resolver fazer o que bem entende, voltaremos para uma situação de selva em que todos saem perdendo.”

Direitos fundamentais

O professor Márcio Henrique Pereira Ponzilacqua, da FDRP, especialista em Sociologia do Direito, explica os direitos fundamentais do cidadão em diferentes dimensões, sendo a primeira delas a das liberdades e dos direitos civis e políticos que garantem o direito de expressão. 

Márcio Henrique Pereira Ponzilacqua – Foto: FDRP-USP

À segunda dimensão se acrescentam os direitos sociais, como o direito à habitação de qualidade, segurança alimentar, acesso à água potável, e outros direitos essenciais à vida humana. Na terceira, são adicionados os direitos difusos, que levam em consideração a comunidade e não apenas o indivíduo, como, por exemplo, o direito à qualidade de vida, ao meio ambiente e ao lazer.

Com a Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição cidadã, o brasileiro passa a entender seus direitos e lutar por eles com firmeza. Nesse cenário, entende-se que o Estado deve fornecer saúde, educação, segurança, infra-estrutura, e tudo com qualidade. A luta pelos direitos é essencial para a população, mas o conceito de cidadania vai além disso, ele também inclui os deveres do cidadão para uma vida em sociedade. 

Para Ponzilacqua, ”quando falamos de cidadania, seja na perspectiva sociológica, seja na perspectiva jurídica, nós estamos falando da reciprocidade entre direitos e deveres e as atribuições disso são feitas a cada um dos envolvidos.”

Espaço público

A noção da importância de lutar pelos direitos está mais difundida na sociedade do que a noção dos deveres. “No Brasil, nós temos uma baixa cultura associativista, ou seja, no sentido de participar, de exigir, isso não é só direito, mas é obrigação do cidadão. Não posso só usufruir dos parques públicos, das zonas de preservação, das unidades de conservação quando permitida a entrada dos cidadãos, mas também devo cuidar, eu não posso jogar lixo, quebrar, depredar ou destruir, eu devo respeitar”, explica Ponzilacqua.

Segundo o especialista em Sociologia do Direito, a compreensão que as pessoas têm de que a coisa pública é coisa de ninguém é equivocada. Ele afirma que, na verdade, a propriedade de domínio público é gerida pelo Estado. Mesmo não tendo um titular específico, é um bem de todos e deve ser cuidada pela sociedade para que todos continuem tendo o direito de utilizá-la.

“Não posso só usufruir dos parques públicos, mas também devo cuidar”, diz Ponzilacqua – Foto: Freepik

 

“Ao mesmo tempo em que o cidadão deve reivindicar os seus direitos, ele também deve compreender seus deveres para com os outros cidadãos, com o Estado e com o espaço público, que é o espaço de todos. Essa evolução demanda bastante educação, participação, conscientização, ampliação e formação dos cidadãos”, conclui Ponzilacqua.

*Estagiário sob orientação de Ferraz Junior


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