Autoaceitação não deve ser confundida com negação da doença da obesidade

Estar acima do peso nem sempre é sinônimo de problemas na saúde, mas é preciso ficar atento aos sinais, diz Paula Victoria Sozza Gulá

 26/04/2023 - Publicado há 1 ano
Por
Em 2022, a obesidade atingiu mais de 6,7 milhões de brasileiros adultos – Foto: Freepik

 

Logo da Rádio USP

Existe limite para a autoaceitação do corpo? Após a influenciadora Thais Carla iniciar um debate sobre obesidade e gordofobia – a gordofobia é o neologismo criado para indicar o preconceito de pessoas que julgam o excesso de peso e a obesidade como um fator que mereça seu desprezo – na internet, a polêmica ganhou destaque e dividiu opiniões. A obesidade é considerada uma doença crônica pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e trabalhar a autoaceitação por estar fora dos padrões corporais impostos pela sociedade é uma maneira de lidar com os desafios e preconceitos, mas é preciso cuidado para não relativizar a doença e colocar pessoas em risco.

Paula V. Sozza Gulá – Foto: Linkedin

A nutricionista e doutoranda da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP Paula Victoria Sozza Gulá comenta que a autoaceitação jamais deve ocasionar uma relativização de doenças. “Aceitar o próprio corpo promove o contrário, promove um olhar mais cuidadoso para o corpo que é a nossa casa. É diferente do comodismo ou da falta de aceitação em relação à saúde e as pessoas obesas que se aceitam podem ser saudáveis e felizes.”

Da mesma forma, a estudante de medicina veterinária Julia Cavalin, de 20 anos, conta que engordou após ser diagnosticada com depressão e começar o uso de remédios para tratar a doença e, para ela, a autoaceitação não pode ser confundida com a negação de uma doença séria, que é a obesidade. “Quando você se aceita você tem mais facilidade para enxergar seus problemas de saúde e se cuidar”, compartilha a estudante.

Os riscos da obesidade

Segundo dados do Ministério da Saúde, através do Sisvan (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional), em 2022, a obesidade atingiu mais de 6,7 milhões de brasileiros adultos. De acordo com o relatório divulgado, do total de pessoas consideradas obesas, 863 mil estão classificadas no grau de obesidade mais severa. Já entre as crianças de 0 a 5 anos, o número chegou a 487 mil no ano passado, o mais alto registrado nos últimos dez anos.

Para além da gordofobia e dos desafios vividos em uma sociedade construída a partir de padrões magros, a obesidade traz graves consequências para a saúde das pessoas. “A obesidade é considerada um fator de risco para doenças crônicas como diabete, hipertensão e doença cardiovascular”, comenta a nutricionista. Além disso, pode resultar em baixa capacidade cardiorrespiratória, resistência à insulina e maior quantidade de marcadores inflamatórios no organismo.

A especialista esclarece também que, para aquelas pessoas que apresentam o Índice de Massa Corporal (IMC) elevado, mas não apresentam acúmulo de gordura central e no fígado, mas sim nos membros inferiores como as pernas, e são fisicamente ativas, o organismo apresenta uma resposta mais sensível para insulina e não há marcadores inflamatórios elevados no organismo. Esse grupo de pessoas apresenta uma resposta metabólica mais saudável, que hoje é conhecida como obesidade metabolicamente saudável. Por isso, estar acima do peso e fora dos padrões não é um problema, desde que não haja reflexos na saúde do indivíduo.

Benefícios da autoaceitação

É certo que a obesidade pode prejudicar a saúde do indivíduo, mas isso não significa que ser magro está necessariamente relacionado a uma boa saúde. Viver na era da internet e se deparar todos os dias com blogueiras, atrizes e influencers que exibem um estilo de vida quase que inalcançável e que, na maioria das vezes, exibem um corpo dentro dos padrões definidos como bonito pela sociedade, pode impactar na autoestima de milhares de pessoas que consomem esses conteúdos.

Julia Cavalin. Créditos: Arquivo Pessoal
Julia Cavalin – Foto: Arquivo Pessoal

“A maioria das mulheres e dos homens, atualmente, sente a pressão social do corpo ideal”, comenta Julia. A estudante de medicina veterinária conta que ela já foi vítima dessa pressão, mas percebeu que o seu corpo não precisa ser igual a essas pessoas para ser bonito. Aceitar o próprio corpo pode trazer grandes benefícios, não só para a autoestima, mas para a própria saúde. Depois de muito tempo e apoio, e sabendo que a sua saúde não estava em risco, Julia consegue aceitar o corpo, ainda que algumas inseguranças prevaleçam.

No entendimento da nutricionista, é preciso continuar a luta no combate a padrões de corpos ditos como normais ou ideais. Esses padrões não representam toda a população, pelo contrário, exclui e reforça atitudes preconceituosas. “Uma pessoa magra não é sinônimo de saúde, assim como uma pessoa obesa não é sinônimo de doença”, reforça Paula.

Trabalhar a autoaceitação deve ser um exercício diário, para todas as pessoas, independentemente do peso corporal. “Atualmente, trabalhar isso é uma das técnicas para abordar um tratamento de saúde adequado para bons hábitos de vida”, conclui a especialista, que é uma das autoras do livro Estigma do Peso: conceito, consequências e ações de combate, que trata sobre o tema.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 

 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.