


A Universidade de São Paulo recentemente viveu um processo eleitoral para reitor cujo desfecho, como todos sabemos, foi a escolha, a partir de uma lista tríplice, do Professor Vahan Agopyan, atual vice-reitor, pelo Governador Geraldo Alkmin. Assim a partir de Janeiro de 2018 a USP irá experimentar o modelo de gestão proposto pelo candidato, ainda que represente – e isto não é um dissenso – a continuidade do modelo atual cujas bases estão na possível e suposta garantia da saúde financeira da Universidade acima de quaisquer outras questões. Em outras palavras, iremos vivenciar mais 4 anos de um mesmo modelo cujos resultados ainda não nos são tão nítidos quanto querem demonstrar seus defensores.
Entretanto, ainda que o futuro seja o nosso norte incerto, é mister pensarmos um pouco mais sobre o presente e alguns pontos emergiram dos debates eleitorais, do desfile de propostas apresentadas pelos 3 principais concorrentes e, principalmente, do engajamento da comunidade na discussão de um projeto de universidade. A meu ver, uma reflexão séria diante desse rico processo deve obrigatoriamente passar por algumas questões: a) o respeito à diversidade de pensamento que nos é característico; b) a valorização da nossa maior riqueza, a capacidade de resolver problemas; e c) a urgência de um processo de democratização.
Esse processo eleitoral pôs diante dos olhos da comunidade, pelo menos 2 projetos distintos: um situacionista e outro de oposição. Porém, ocorre que, entre os principais concorrentes, nenhum obteve a maioria absoluta de votos, isto é, 2/3 do colégio eleitoral, algo em torno de 1300 votos, a contar os 1949 votantes nesse último pleito. Assim, a chapa Vahan/Hernandes obteve 1092 votos, contra 840 da chapa Maria Arminda/Casella e contra 596 votos daquela encabeçada por Ildo Sauer/Tércio. Essa avaliação torna-se mais interessante quando observamos o desempenho das mesmas 3 chapas na consulta pública realizada pela própria reitoria uma semana antes da eleição no colégio eleitoral, pois nela Maria Arminda/Casella obtiveram 3749 votos, contra Ildo/Tércio com 2353 e Vahan/Hernandes com 2138 votos. A conclusão é imediata: independentemente da sistemática adotada, observa-se que a USP está dividida e, isto não é mau sinal, ao contrário, garante-lhe seu caráter multifacetado, plural e diverso, algo rico para qualquer comunidade em outros momentos da história. Hoje, entretanto, estamos diante de um mundo em que a intolerância, a dificuldade de convivência com o oposto e a falta de civilidade grassam. É dever, portanto, da nova gestão entender que a única forma possível de governança hoje na USP é uni-la em torno de uma agenda mínima que não fira convicções ou princípios de seus principais atores e que atenda, justamente, à diversidade, às diferenças, à pluralidade de pensamento. Há que se construir uma nova USP e essa tarefa compreende necessariamente pela costura de soluções de consenso.
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O pleito reitoral de outubro trouxe à luz outro problema: quem são os responsáveis pelos caminhos que a USP deve trilhar? Devemos buscar soluções exógenas? Há no famigerado mercado agentes interessados em atuar “sem compromisso” na universidade, apontando-lhe soluções exequíveis para sua crise e que atendam ao seu caráter público, gratuito, laico, inclusivo, democrático e socialmente referenciado?
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O pleito reitoral de outubro trouxe à luz outro problema: quem são os responsáveis pelos caminhos que a USP deve trilhar? Devemos buscar soluções exógenas? Há no famigerado mercado agentes interessados em atuar “sem compromisso” na universidade, apontando-lhe soluções exequíveis para sua crise e que atendam ao seu caráter público, gratuito, laico, inclusivo, democrático e socialmente referenciado? Ou nossa propalada crise de financiamento e gestão deve ser alvo da atenção de nosso próprio manancial técnico, científico e acadêmico, nossa maior riqueza? Quem melhor poderá pensar soluções para a USP se não seus professores? Não são esses os mais valorizados profissionais do país e da América Latina? Não foram eles que em décadas de trabalho ofereceram à sociedade paulista e brasileira grandes gestores da coisa pública e do mundo privado? Não foram os professores da USP que a construíram como a maior universidade brasileira em todos os indicadores de qualidade? Parece-me que a construção de uma solução endógena de consenso para a crise é a única possibilidade que pode garantir a um só tempo: a autonomia universitária e a garantia de seus pilares: o caráter público, a gratuidade e a laicidade. Espera-se que a nova reitoria não tergiverse. Devemos valorizar a USP pelo que a tornou grande, de maneira que qualquer aventura que a desloque de sua vocação, deve ser entendida como temerária, já que pode atender a interesses que não são os da comunidade, tampouco os da sociedade.
Mas a pergunta que não quer calar é: pode a USP manter-se imune à democracia? Pode uma universidade modelo, como a nossa, funcionar ao arrepio da lei? A lei que rege a educação no país, a LDB (Lei 9.394/1996), em seu artigo 56 informa que as instituições públicas de educação superior devem obedecer ao princípio de gestão democrática em que os docentes ocupem 70% dos assentos dos órgãos colegiados. Assim, visto que não há um pensamento unânime na universidade sobre o destino a que almejamos, dado que a vivência com o dissenso é algo necessário e desejável nos dias de hoje principalmente e uma vez que a nossa maior riqueza esteja nas mãos de nossos professores e pesquisadores, então a democracia interna é condição sine qua non para a modernização da gestão da USP. Mas por onde começar? O que fazer? Parece-me que o ponto de partida deva ocorrer no Conselho Universitário não sem antes passar por todos os demais Conselhos. Nesse sentido, a reorganização dessas instâncias deve seguir a proporcionalidade de 70 % de docentes, 15% de estudantes e 15% de funcionários. Afora o fato de que os diversos níveis da carreira docente devam ser paritários de sorte que doutores, associados e titulares tenham o mesmo padrão de representação, como é o caso da representação docente no Conselho Universitário da Unicamp (Estatuto, art. 43), por exemplo.
Assim tanto o Conselho Universitário, como as Congregações e os Conselhos Departamentais teriam seu caráter legislativo-propositivo resgatado, deixando se ser reféns do pensamento único, ou estar a reboque dele. Com essa nova estrutura, o CO ocuparia o papel de uma casa moderadora diante das forças que compõem a universidade de maneira a dar voz e vez a todos igualmente. Entretanto, muito mais do que uma alteração na letra da lei, isto é, no Estatuto, o que se pleiteia, para o momento, é uma mudança de mentalidade, o que deve obrigatoriamente passar pelo principal mandatário da USP, fazendo com que a democracia seja refletida por uma postura da reitoria e, na mesma direção, portanto, e seja reflexo do anseio de dialogar e ter voz de toda a comunidade acadêmica, perpassando, assim, pela capilaridade da Universidade. Dessa maneira, talvez ao cabo de 4 anos, talvez, ao invés de uma USP convulsionada e em crise, pudéssemos nos vangloriar de fazermos parte de uma universidade moderna, ajustada, democrática e em acordo com sua responsabilidade social. Mas disso … dependemos hoje da vontade de uma só pessoa.
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