Brasil 75/25: Mirar nos resultados, não nos compadres

Por Luiz Jurandir Simões de Araujo, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP

 28/07/2021 - Publicado há 3 anos
Luiz Jurandir Simões de Araujo – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O compromisso de oferecer soluções simples e producentes continua neste segundo artigo da série Brasil 75/25. Mas, antes, preciso destacar dois dilemas nacionais: o complexo de vira-lata (diagnóstico brilhante de Nelson Rodrigues) e o foco nos compadres e não nos resultados (a expansão do capitalismo de compadrio, conceito criado pelo professor Sérgio Lazzarini). Esses vieses impregnados nas nossas almas e, portanto, nas instituições, deturpam processos e decisões. Nutrem, com maestria, nossas iniquidades e incompetências pelas suas inúmeras nuances e ramificações. Sempre desvalorizamos o que é nosso, o que fazemos, o que somos, o que sabemos. Nossos problemas “serão” resolvidos com soluções importadas, desfocadas, míopes. Mas, chiques.

O bom é o estrangeiro. Outro inigualável brasileiro, Ariano Suassuna, numa palestra, narra um “causo” pitoresco. Exemplo puro dessa “visão superficial do Brasil”. Uma rica e elegante senhora divide o Brasil entre os que conhecem a Disneylândia e os que não a conhecem. Quem conhece é sofisticado (é chique), quem não conhece não tem “nível”. Concepção caricata. (Esse vídeo vale cada segundo, humor ácido e mira certeira.)

Isso acontece até nas universidades. Há poucos anos, na primeira aula, um professor pediu um resumo da trajetória de cada aluno. Quando falei que nasci na região do Campo Limpo (periferia da zona sul da cidade de São Paulo), ele disse: “Não sabia que você é das quebrada”. Só para constar. A família dele é de um bairro de classe média alta.

Professor, sem estresse. Não fiquei nem chateado nem marcado amargamente. Tenho muito orgulho de ter nascido na Vila das Belezas. Os imóveis do seu bairro foram construídos por nordestinos que vieram para São Paulo a partir da década de 30 do século passado. Moravam na minha região ou nos canteiros de obras em barracões quentes e suas esposas, nos quartinhos de empregada (microssenzalas privativas sem janela) do seu bairro. O “pessoal das quebrada” recebeu ínfimo investimento público em educação, música, matemática, poesia. Visite as bibliotecas do seu bairro.

Mais um brasileiro perspicaz, o professor Luis Bevilacqua, no Jornal do Grande ABC em 2008, fala com precisão: “Nossa cultura ainda guarda resquícios de subserviência, falta de autoestima e de autoconfiança”. Somos laudatórios, homenageamos sempre os mesmos caciques das patotas, que há décadas fizeram algo interessante. Não necessariamente brilhante e nem com resultados notórios. Enquanto isso, os jovens doutores não recebem as prioridades logísticas que precisam.

Focamos nas interpessoalidades e não nos resultados. Essa miopia alimenta a nossa profunda dificuldade de resolvermos nossos problemas e sermos genuinamente produtivos (não “lattesmente” produtivos). Produtividade é uma meta que possa ser medida. Para poder ser medida os resultados a serem alcançados são elencados a priori. Se a meta é conseguir financiamento privado, o coeficiente do tanto conseguido é a medida de produtividade. As metas podem ser germinar startups sustentáveis, resolver problemas concretos da sociedade brasileira, etc. Criar metas genéricas sem resultados concretos a serem alcançados até pode existir em países ricos. Sinecura em país desigual alimenta as mazelas.

Já perdi a conta do número de reuniões para discutir um problema, uma boa solução ser encontrada e alguém levanta o dedo e fala: “Ahhh! Mas fulano concordará?”. Em geral, o “fulano” é um cacique poderosinho cujas idiossincrasias precisam ser consideradas. E os resultados? Não são importantes. O importante é a simpatia e aceitação dele.

Mário de Andrade, os males do Brasil não são pouca saúde e muita saúva. São falta de autoestima e compadrio e os seus corolários: cafonice decisória, ineficiência permanente, iniquidade estrutural.

Exemplos abundam. Nem adianta continuar listando-os. Todos os leitores deste artigo também terão outros tantos exemplos com essa mesma essência: não focamos resultados; não priorizamos o mérito; priorizamos nossas relações pessoais; criamos métricas que não dizem nada, mas são chiques; não pensamos de forma prática e assertiva; a opinião de um conta mais que todo o resto. Esse um, raramente, quer metas claras. Ele não quer ficar exposto.

No primeiro artigo desta série fui otimista em demasia. Falei que mudar processos é fácil. Se não mudarmos os nossos meandros neuronais, não é fácil, não. As sinapses que estão fossilizadas com padrões ancestrais de compadrio. O professor Sérgio Lazzarini, no livro Capitalismos de laços, realça os males do capitalismo dos compadres. Mas, na prática, isso se manifesta em todas as instituições (universidades, agências de financiamento, prefeituras, secretarias, etc.).

Tal qual alguém que só para de fumar após uma parada respiratória e/ou agressivo ataque cardíaco, o doloroso momento da história brasileira é água e terra para mudanças. Germinarão fortes árvores ou serão lodo?

Mudar pilares profundos de uma cultura não é trivial, por isso, peço desculpas por falar no artigo anterior que otimizar processos seria simples. Não é. Antes precisamos mudar essa latinidade tupiniquim mediocrizante.

Mas, mantendo o compromisso de propor soluções simples e producentes, lá vão algumas sugestões:

• Toda decisão precisa ser acompanhada de metas a serem alcançadas. Junto com os CPFs de quem colocará essa decisão na estrada.
• Os encaminhamentos dessa decisão precisam ser acompanhados periodicamente. E, obviamente, os resultados objetivos devem ser aferidos.
• Os resultados alcançados precisam ser divulgados amplamente. A internet é pródiga nisso.

No caso da gestão universitária, o Lattes deveria ter uma sessão de resultados práticos alcançados. Por exemplo, um professor que implemente um projeto de extensão que impacte na vida de milhares de pessoas (impacte objetivamente) não deveria ser valorizado? Um diretor que reduziu os gastos do seu instituto não deveria ser publicizado?

Governadores, prefeitos, secretários, diretores, reitores precisam ter, ao lado do cargo e da foto, uma tabela de metas a serem alcançadas. Metas aferidas periodicamente. Medidas objetivamente. E premiadas, se alcançadas. Menos homenagens e mais alcance de metas.

Leitora e leitor, peço perdão pelos fantasiosos parágrafos anteriores. As várias modalidades de caciques citadas não querem metas objetivas, não focam resultados práticos. Preferem narrativas rocambolescas e desculpinhas a posteriori.

Enquanto isso, o Brasil 75 “não foi convidado pra esta festa pobre, que os homens armaram para nos convencer. A pagar sem ver toda essa droga que já vem malhada antes de nascermos. Não nos ofereceram nem um cigarro. Ficamos estacionando os carros. Não nos elegeram chefe de nada”. Grande Cazuza!

“Grande pátria desimportante. Em nenhum instante vamos te trair”, mas, poderosinhos, não se enganem. Estamos olhando tudo, exigimos resultados e não aceitaremos narrativas ideológicas ocas e enganosas. A internet abre espaço ao blablablá, ao ódio e às fakes-tudo. Mas também viabiliza que todos nós saibamos o que é fato, o que é resultado, quem é competente, quem é um pires quebrado. Narrativas são anuladas por outras narrativas. Resultados ficam marcados na pedra.


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