Até onde a vista alcança e além: a Física como meio de entrega de valor à sociedade

Por Kaline Rabelo Coutinho, diretora do Instituto de Física (IF) da USP

 Publicado: 02/05/2024

Kaline Rabelo Coutinho – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Não há escala de objeto de estudo – seja microscópica, humana/tecnológica ou cosmológica – fora do interesse da Física. Esse olhar de amplitude monumental possibilita a construção das mais variadas perspectivas de análise e se configura como modo privilegiado para construir conhecimento em ciência de base, avançar políticas públicas baseadas em evidências, gerar inovação tecnológica e formar os cientistas e empreendedores das próximas gerações.

A construção de um telescópio no interior do sertão. Melhorias no diagnóstico e na eficácia e segurança de tratamentos contra o câncer. Experimentos de matéria quântica sob condições extremas de temperatura e pressão. Análise de sementes de soja geneticamente modificadas e de peças cerâmicas arqueológicas. Desenvolvimento de microeletrônica avançada para o maior experimento científico do mundo e para exportação. Aumento da compreensão das sequelas de doenças cardiovasculares. Patente sobre novo tipo de memória resistiva. Desenvolvimento de vacinas orais. Desenvolvimento de modelos teóricos em inúmeras áreas de física básica, mas também temas aplicados de inteligência artificial, desenvolvimento e caracterização de materiais, fontes de energia, compreensão de processos físico-químicos e biofísicos, modelos estatísticos para estudo de mobilidade urbana, propagação de incêndios em florestas, dinâmica de populações e epidemias, entre outros. Pesquisas e divulgação sobre impactos da mudança climática e suas mitigações. Investigação e solução de problemas no setor de gás e energia. Cursos, oficinas e apresentações gratuitas para professores e alunos dos ensinos médio e fundamental.

Esse caleidoscópio de trabalhos de impacto tem um vértice comum: estão sob a égide de pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP, a mais antiga instituição brasileira dedicada ao desenvolvimento simultâneo da pesquisa básica e do ensino de física.

Com origens na subseção de Física na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, assume desde cedo a vocação de ser o grande centro de formação de físicos no País, que, além de exercer docência e pesquisa, atua em posições-chave em instituições político-científicas, estabelecendo redes de colaboração nacionais e internacional, fortalecendo a cultura científica brasileira. O primeiro catedrático do IF, o físico teórico Gleb Wataghin, responsável por organizar o currículo em Física a ser ensinado, formou gerações que levariam a pesquisa no Brasil a outro patamar.

Entre muitos nomes que merecem destaque, citamos Marcello Damy, que instalou o primeiro reator nuclear no País e fundou o Instituto de Energia Atômica (IEA), atual Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen); Cesar Lattes, que foi um dos descobridores da partícula méson-pi; Mario Schenberg, que foi pioneiro na área de astrofísica no Brasil; e Oscar Sala, responsável pelo projeto que ligou o Brasil à internet nos anos 1980.

Desde então, egressos e docentes ativos do IF ocupam posições de liderança em universidades brasileiras e estrangeiras, bem como cargos de gestão nos setores público e privado, como, por exemplo, ministro da Educação, secretário de Ciência e Tecnologia, secretário do Meio Ambiente, presidente do Conselho Nacional de Educação, reitor em universidades federais, diretor em laboratórios nacionais, presidente do CNPq e membros das Academias Científicas Mundial, Brasileira e Paulista, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU, entre outros. E se, desde as primeiras gerações, nossos pesquisadores deixam importantes legados para a ciência nacional, isso permanece realidade nos dias de hoje.

Legado humano: desde sua criação como unidade autônoma em 1970, o Instituto de Física formou mais de seis mil profissionais em seus cursos de graduação (entre bacharéis e licenciados em Física) e mais de dois mil nos programas de pós-graduação (em Física ou Ensino de Ciências). Além disso, é responsável, anualmente, pela formação em Física de mais de 4.000 estudantes de outras áreas do conhecimento no campus USP da capital. Profissionais de física enxergam o universo com um olhar de expert: sua formação sólida, capacidade de detectar padrões, modelar e simular fenômenos, abstrair conceitos e solucionar problemas são características extremamente úteis e valorizadas para a atuação numa sociedade complexa e cheia de desafios.

Atualmente, tais profissionais são encontrados em âmbitos cada vez mais diversos, com uma demanda sempre crescente de atividades. Na área da saúde, encontramos físicos e físicos médicos atuando em hospitais, clínicas e institutos especializados; em comunicação e divulgação científica, estão em veículos de mídia especializados em ciência, museus, centros culturais e em consultoria científica para veículos de comunicação e entretenimento. Em áreas de tecnologia e inovação, se distribuem nas mais variadas indústrias, como telecomunicações, defesa, química, energia, games e entretenimento, desenvolvimento de materiais, aeronáutica, transportes, computação, agricultura e muitas outras. Nas finanças, a atuação de físicos está cada vez mais presente em fundos de investimentos, bolsas de valores, bancos e corretoras, além da crescente necessidade de cientistas de dados em todas as áreas de atividade econômica. Isso tudo além dos tradicionais e fundamentais papéis no ensino – com atuação em universidades, na educação básica, produtoras de conteúdo didático, cursos técnicos e profissionalizantes – e, finalmente, em pesquisa científica, de base e aplicada, em universidades e centros de pesquisa.

E assim nossa história reflete também nosso compromisso para os próximos 90 anos: liderança em projetos de ciência de base (longo prazo) e aplicados (em resposta às demandas atuais) e formação de pessoas com pensamento crítico e competências para propor e implementar soluções em prol de uma sociedade mais informada, mais justa e mais inovadora.

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