Brasil 75/25: Os princípios Zilda Arns alimentarão transformações no Brasil 75

Por Luiz Jurandir Simões de Araujo, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP

 05/08/2021 - Publicado há 3 anos
Luiz Jurandir Simões de Araujo – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Agosto começa nesta semana, por isso devemos falar da Zilda Arns, nascida em 25 agosto de 1934. Este artigo é uma homenagem e manifestação de profundo e incondicional respeito por alguém tão genuíno e impactante. Será em forma de carta a Patrícia Ellen, João Doria e Ricardo Nunes, por motivos óbvios: os três estão em posição de gerar impactos nos pilares das políticas públicas e na energização dos atores privados que são, em número e importância, os grandes formadores do tecido social.

Os princípios Zilda Arns são ideias simples, muito bem pensadas e articuladas a priori, que incluem milhares de pessoas capacitadas por ações endógenas de transformação já dispostas no planejamento inicial. Começa de forma singela, numa pequena comunidade (cidade de Florestópolis) e espalha-se para milhares de municípios (pois tinha todos os pilares para tanto): um custo muito baixo (que não depende só do governo) com impactos exponenciais; uma rede integrada de pessoas de cada região; todos os envolvidos mergulhados na resolução dos problemas; grande descentralização; estímulos à participação de empresas no financiamento; união de pessoas das várias regiões (de forma ecumênica sem viés religioso) e transparência na prestação de contas.

Resultado? A maravilhosa Pastoral da Criança, que, entre vários outros impactos, reduziu muito a mortalidade infantil em milhares de municípios, implantou um excelente sistema de registro de mortalidade (melhor que o sistema governamental da época) e gerou soluções que foram copiadas pelos governos locais e pela União.

Ela recebeu muitas críticas da esquerda e da direita. Frase dela: “Eu fazia de conta que não ouvia e continuava meu caminho. Com os resultados, eu fui realmente conquistando espaço. A Pastoral não ganhou espaço, conquistou”. Ela era moderna, compromissada com ética e resultados concretos. Outra frase da própria Zilda Arns: “A Pastoral da Criança escolheu o que é simples, barato e dá para fazer em larga escala”. Custo por criança em 2001, R$ 0,86 por criança ao mês. O número é esse mesmo: oitenta e seis centavos mensais por criança. Sem contar a utilização de indicadores objetivos para aferir a eficiência da Pastoral. Eita gestora moderna!

Foco na base. Foco no Brasil 75. Foco em resultado, a custo baixíssimo.

Ações que energizem o Brasil 25 (por exemplo: a criação de uma faculdade modelo Stanford/MIT) são importantes. Precisam continuar. Parabéns pela iniciativa. Mas não chegam ao Brasil 75 por várias impedâncias.

Muitos jovens do Brasil 75 não terminam o ensino médio, portanto, nem podem entrar em faculdades. Habilidades cognitivas fundamentais (leitura, raciocínio lógico dedutivo, raciocínio analítico e outros) não são instigados no sistema educacional. O enfadonho foco em conteúdos desnecessários é recorrente. Há poucas vagas de emprego que se encaixem aos sonhos de futuro da garotada. Sobram poucas alternativas aos jovens do Brasil 75.

Outras frases dela: “A universidade não despertou para o seu papel social” e “queremos multiplicar o saber, a comunidade tem de fazer, então nosso esforço é a comunidade fazer e não nós fazermos pela comunidade”. Ou seja, propiciar o empoderamento pessoal de cada um dos envolvidos.

Como o compromisso desta série de artigos Brasil 75/25 é propor soluções simples com foco em resultado, listo algumas propostas a seguir.

A cidade de São Paulo, como toda grande metrópole mundial, é ou pode ser facilmente um polo nacional de cultura, um espaço pulsante de criação cultural espalhada nas diversas periferias com tantas potencialidades culturais.

Cultura gera muito emprego, portanto muitas vagas para os jovens que estão sem perspectivas de futuro. Por exemplo, cada filme exige dezenas (talvez centenas de técnicos), da mesma forma cada peça de teatro, cada exposição, cada show.

Precisa de muitos investimentos? Não! Há instalações públicas que ficam ociosas em vários horários da semana (prédios de escolas municipais e estaduais, bibliotecas etc.). Com pequenas adaptações podem ser usadas por grupo de teatro, por grupo de leitura de poesia, por músicos, por coletivos de imagem e som.

As periferias não recebem peças infantis, mesmo sendo produtos culturais excelentes para estimular as habilidades cognitivas das crianças. Há milhares de jovens nas periferias que querem expressar sua arte e sensibilidade, mas não têm espaço. Teatro de sombras, teatro de fantoches, shows de chorinho. Enfim, constelação de possibilidades.

Mas, falta pouco. Muito pouco. Canais integrados e institucionalizados* de compartilhamento, utilização, organização e gestão.

Sigam o exemplo de Zilda Arns: soluções simples, baratas, impactantes, multiplicáveis em larga escala. Só para lembrar: ela iniciou a Pastoral antes da internet. Imaginem essa mulher agora com a internet na mão? Jeff Bezos ficaria envergonhado de ir ao espaço. Ela já teria ido, metaforicamente, antes.

Como dizia aquele sucesso dos Titãs: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte, a gente quer saída para qualquer parte”. Mas as saídas precisam de Zildas que as pensem, estruturem e liderem. Vocês três são os elegíveis a isso?

João Doria e Ricardo Nunes, só para lembrar, o grande volume de votos está no Brasil 75. Querem ser eleitos? Não pensem tanto na Faria Lima. Ajam para gerar impacto concreto e objetivo (tal qual a Zilda Arns gerou).

Patrícia Ellen, os grandes desafios e dilemas estão nas nossas Vilas das Belezas e não apenas nas Faria Limas.

* Fiquem tranquilos. Um grupo de pesquisadores está preparando um artigo para ajudá-los. A provocação acima foi só para colocar uma pimenta na discussão. Sei que não depende só de vocês. Todos nós, que formamos o tecido social, somos os responsáveis pela tecelagem de um país mais justo e equilibrado (tal qual Zilda Arns preconizou: nós somos os responsáveis, nós precisamos aprender e fazer). Mas há lideranças inevitáveis. Um exemplo é Zilda Arns, que morreu fazendo o que acreditava, o que amava, o que sabia, onde era necessário que ela estivesse. Sem medo!


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