8 de janeiro de 2023: o dia em que a democracia venceu mais uma vez

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 05/01/2024 - Publicado há 4 meses

8 de janeiro de 2023.

Um dia para ser lembrado, estigmatizado ou esquecido no Brasil?

Certamente, essas hipóteses terão adeptos; o importante é que não saia de nossa memória, pois a democracia, como vários importantes países surpreendentemente demonstram nos dias atuais, (nem os EUA escapam) deve ser reafirmada diariamente, promovida, incensada – pois as maiorias se deixam enganar facilmente por demagogos que, assim que podem, pendem para o autoritarismo.

8 de janeiro de 2023 foi o dia em que os palácios que abrigam as instituições básicas da República foram invadidos por uma multidão – e vilipendiados. A icônica Praça dos Três Poderes de Brasília foi palco para uma multidão que se entregou à quebra de vidros, móveis, quadros, relíquias históricas. À quebra de símbolos da República. Como formigas desorientadas em busca de abrigo, nas imagens de TV se deslocavam de um lado a outro durante a repressão policial que tardiamente, mas finalmente, lá apareceu.

Presidência da República, Congresso Nacional e Superior Tribunal Federal, onde se decidem, em tempos democráticos, os destinos do País, foram escolhidos como alvos dos injustificados protestos. Era uma multidão teleguiada por muitos que não se conformavam com os resultados das eleições presidenciais, que derrotaram o candidato que reverberava, cada vez mais, contra a democracia – saudoso do autoritarismo que governou o país entre 1964 e 1985.

Pois, desde 1985, o país assistiu a sucessivas eleições presidenciais – além de outras, também – em que alguns partidos políticos e suas alianças governaram o país. Assistiu, também, a dois impeachments dos ocupantes eleitos ao Palácio do Planalto. As sucessões se deram normalmente ao longo do tempo, com as correspondentes posses dos vice-presidentes nos momentos em que ocorreram impeachments. A disputa político-eleitoral sempre foi renhida; governos acertaram e erraram, mas as democráticas regras das eleições e reeleições sempre foram respeitadas. “La nave va” poder-se-ia dizer a respeito da performance da democracia brasileira.

A eleição presidencial de 2018 ocorreu em um momento em que a disputa política no país passava por um momento de polarização, de alta intensidade dramática. O candidato natural do Partido dos Trabalhadores estava preso em função de decisões, posteriormente anuladas, nos processos da Lava Jato. Em seu lugar, concorreu o atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O candidato Jair Bolsonaro, que concorria pelo Partido Social Liberal, fazia uma campanha eleitoral com inesperada ressonância, que foi catapultada pelo, até hoje inexplicado, esfaqueamento que sofreu em um comício em Juiz de Fora – e venceu a eleição, no segundo turno, concentrando os votos dos eleitores que, na época, não queriam um governo do PT, cuja última presidenta, Dilma Roussef, havia sido alvo de impeachment.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, hoje amplamente reconhecida como tal, é consequência direta da derrota da recandidatura presidencial de Jair Bolsonaro, em 2022, cujas hostes
davam como certa sua continuação no Palácio do Planalto, apesar de seu governo nem de longe dar respostas aos desafios econômicos e sociais do país. Até as Forças Armadas foram, inexplicavelmente, usadas no acompanhamento dos resultados exarados pelas urnas eletrônicas, sob a irresponsável alegação de que os resultados poderiam ser falsificados…

No apoio ao seu adversário, Lula, do PT, cujas condenações haviam sido anuladas pelo STF, uniram-se partidos e personalidades contrárias às ameaças à democracia representadas e verbalizadas pelo outro candidato, e, graças à sua boa votação no Nordeste, venceu por dois milhões de votos (Lula teve 50,90% dos votos; Jair Bolsonaro, 49,10%). Foi uma derrota inesperada pelos bolsonaristas, cujos setores mais renitentes apoiaram e financiaram as manifestações golpistas que se materializaram em Brasília no 8 de janeiro.

Graças à inépcia com que foi arquitetada e à rápida reação do governo Lula, que estava em Araraquara, no interior do Estado de São Paulo, portanto fora de Brasília, a invasão e o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes deu em nada, a não ser a prisão e julgamento de inúmeros participantes, muitos dos quais ainda estão fora de circulação.

Neste primeiro aniversário do 8 de janeiro, multiplicam-se na mídia relatos dos personagens que tiveram participação decisiva nos eventos, bem como as movimentações políticas, que envolveram os dramáticos acontecimentos que impediram a interrupção da hoje ainda frágil vida democrática brasileira. Depoimentos importantes, que devem servir como luzes e aprendizados para o futuro.

O 8 de janeiro deixa a marca de que, por mais que se enraíze, a democracia e os seus ritos precisam ser constantemente defendidos pelas instituições do país. Democracia entendida como o regime
político, com a participação de todos e todas, que abra as portas para a justiça social, para a constante procura da melhoria de vida de toda a população. E, convenhamos, essa é o maior desafio que o Brasil tem pela frente: estender, ao máximo possível, os direitos da população, com as consequentes vantagens em sua qualidade de vida, que deveria e deve ser a essência da democracia.

_______________
(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.