Exposição faz refletir sobre o papel das redes sociais na política

Em cartaz no Centro MariAntonia da USP até 2 de junho, “Imageria das Redes: Design e Ativismos” é baseada em tese de doutorado da arquiteta e designer Didiana Prata

 Publicado: 18/04/2024

Texto: Ricardo Thomé*
Arte: Diego Facundini**

A exposição registra imagens digitais difundidas nas redes sociais durante o período do governo Jair Bolsonaro - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Está em cartaz no Centro MariAntonia da USP desde 5 de abril a exposição Imageria das Redes  Design e Ativismos: Cultura Visual e Memória Gráfica Brasileira (2019-2022). Com curadoria de Didiana Prata, a exposição faz um registro visual do período que abrangeu o governo do presidente Jair Bolsonaro por meio da exibição de imagens de redes sociais alusivas às pautas coletiva e decolonial que circularam durante aquele período. A exposição, que é um complemento da tese de doutorado de Didiana  defendida em 2022 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP , fica em cartaz até 2 de junho, de terça a domingo e feriados, das 10 às 18 horas.

A exposição: o digital materializado

Imageria das Redes: Design e Ativismos ocupa apenas uma sala do Edifício Joaquim Nabuco do Centro MariAntonia. Por esse motivo, a visita é rápida, mas não menos imersiva. Cada uma das quatro paredes da exposição apresenta uma temática diferente. Uma delas, Imagens Feitas para Viajar, traz uma série de publicações feitas no Instagram que se enquadram nas hashtags #designativista e #desenhospelademocracia — o que, além de trazer a questão do meio digital à tona, é parte da proposta da exposição, bem como da tese.

Ao longo do mural, também é marcante a presença de uma sessão com a hashtag #mariellepresente, dedicada à vereadora Marielle Franco, que foi morta a tiros ao lado do motorista Anderson Gomes em março de 2018. Além disso, as hashtags #coleraalegria, #projetemos e #foragarimpoforacovid também se veem presentes na parede, abordando as manifestações marcantes do período pandêmico, além de outras questões sociopolíticas.

Marielle Franco é uma das homenageadas na exposição - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Outra parede, ao fundo, traz o tema Nas Ruas: Participação Política e Produção Estética e destaca fotografias de protestos marcantes em defesa das minorias e contra o fascismo e o racismo, por exemplo.

O registro fotográfico simboliza um dos objetivos de Didiana Prata com a exposição: “Devolver essas imagens para a rua, para o ambiente no qual elas foram inspiradas, é importante para marcar a circularidade dessas imagens” - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A seguir, o visitante se depara com a parede Calendário Dissidente: Meses Pra Gente Não Esquecer de Lembrar. O Calendário Dissidente foi um dos principais trabalhos associados à tese de Didiana. Com o auxílio da inteligência artificial e por meio de uma colaboração com o InovaUSP  espaço da USP que reúne laboratórios independentes voltados para a pesquisa e inovação , onde foi pesquisadora residente, ela selecionou não só as hashtags e filtros, mas, principalmente, as imagens mais engajadas por dia, desde o primeiro dia de mandato de Jair Bolsonaro.

Calendário Dissidente, parte essencial da pesquisa de Didiana Prata, é materializado na exposição do Centro MariAntonia - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Pantone Político é tema da parede mais interativa da exposição. Na mesma linha do Calendário Dissidente, ele reuniu, diariamente, em posts coloridos, notícias diárias de veículos considerados praticantes do bom jornalismo — algo que, no contexto da pandemia, teve bastante significado. Na sessão, são exibidos vídeos sobre o projeto e é possível escutar uma gravação do Glossário Imageria — reunião de palavras associadas à imagem dentro e fora do contexto de dissidência. Didiana cita as imagens numéricas, as imagens expandidas, as imagens fantasmagóricas, as imagens infiltradas e as imagens não humanas como “conceitos que já existem na teoria, mas que são atualizados pelo viés das redes sociais”.

Ao todo, são 48 construções, sempre juntando a palavra “imagem” a uma outra, o que, segundo a curadora, “traduz as novas funções e atribuições da imagem informacional que circulam nas redes”. Na foto, o tablet exibe um dos conceitos, “imagem relacional” - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição é repleta de QRcodes para acesso aos sites originais da tese e a conteúdos relacionados aos temas. Há, também, cartazes pendurados no teto, com manifestações e dizeres que se tornaram populares no período analisado, tais como “Vidas negras importam”, “Quem mandou matar Marielle?”, “SOS Yanomamis”, “Marco Temporal não!”, “Ele não” e “Eu acredito no respeito às diferenças”.

A tese: entre dados e desafios

Ao Jornal da USP, a curadora explica a origem das principais ideias de sua tese. Sobre a inspiração para o início da pesquisa, que durou cinco anos, ela conta que a quantidade de imagens de cunho ativista de esquerda e de direita publicadas em meio à polarização política a partir das eleições presidenciais de 2018 foi um fator relevante. “Observando a quantidade de imagens e a riqueza de vocabulários estéticos, achei que fazia sentido fazer um recorte temático nessas imagens para discutir os novos, dando ênfase, no caso da exposição, às ilustrações digitais”.

Nesse sentido, ela aponta a relevância da produção estética do designer amador — o chamado “qualquer um”, na visão do filósofo francês Jacques Rancière. “As imagens vão sendo visualizadas por outras pessoas, que acabam adicionando mais detalhes. A participação popular também se vê presente na exposição em si: “Imageria das Redes: Design e Ativismos é uma extensão cultural da tese, feita com uma linguagem acessível, num espaço acessível a todos os públicos e com um forte perfil de memória e de resistência, como é o Centro MariAntonia da USP”.

Didiana Prata - Foto: IEA-USP

Calendário Dissidente, por sua vez, foi a consolidação da organização das imagens engajadas que Didiana já fazia, mas com uma série de filtros aplicados à inteligência artificial para sua catalogação. A intenção, com o calendário, era, para ela, fazer algo “vivo, síncrono com a história. E como estava todo mundo em casa na pandemia, era uma memória de todos nós”. As imagens foram, então, subdivididas entre factuais, ilustrações digitais, ilustrações manuais, tipografia digital e escritas vernaculares, além das imagens apropriadas.

Ela explica, porém, que o projeto não teve continuidade após novembro de 2020 devido a uma mudança na política dos APIs (Códigos Livres de Programação de Interface) do Instagram, aos quais ela tinha acesso, mecanismo utilizado para a captação das imagens. O motivo da alteração teria sido frear a distribuição de fake news durante as eleições nos Estados Unidos, que aconteceram naquele período.

Algo semelhante aconteceu em 2023 com o Pantone Político, após alterações nas diretrizes do X (antigo Twitter). “Achei significativo que a net art e a produção artística experimental da artemídia nas redes também está sujeita à obsolescência programada ou às políticas de invisibilidade e às políticas das grandes nuvens”, comenta.

A curadora revela, também, que a escolha por “Imageria” como título do projeto não foi por acaso. “É uma palavra traduzida do francês imagerie. Segundo Rancière, é um levante, um conjunto de imagens, que evoca um imaginário do leitor. Ele chamava de ‘imagerie’ as imagens que circulavam na França do século 15, que tinham um viés ativista e que eram normalmente desenhadas, com uma dose de humor”. O termo já estava presente na sua dissertação de mestrado, apresentada na FAU em 2016 e intitulada Imageria e Poéticas de Representação da Paisagem Urbana nas Redes.

“Essa linguagem da colagem, da apropriação, típica das redes sociais, aparece com frequência nessas imagens, que traduzem muito o espírito das redes como linguagem visual e comunicacional”, diz a curadora Didiana Prata - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição Imageria das Redes – Design e Ativismos: Cultura Visual e Memória Gráfica Brasileira (2019-2022), com curadoria de Didiana Prata, fica em cartaz até dia 2 de junho, de terça a domingo e feriados, das 10 às 18 horas, no Edifício Joaquim Nabuco do Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, região central de São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do metrô). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3123-5202 e no site do Centro MariAntonia. O site com a tese e os trabalhos de Didiana Prata pode ser acessado por meio deste link.

* Estagiário sob supervisão de Roberto C. G. Castro
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes


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